Tintin e o Capitão Archibald Haddock
Celebram-se, este ano os noventa anos da primeira edição do álbum “Tintin au pays des Soviets” (1930) e oitenta anos da aparição do Capitão Archibald Haddock no Álbum “Le Crabe aux pinces d’or”
Primeiro, a infância. Aquela das bandas desenhadas do Tintim. E imediatamente a viagem, através de nomes, títulos das capas: “Le Temple du Soleil”, “L’Étoile mystérieuse”, "Le Lotus Bleu" ... Melhor que um destino de uma agência de viagens, os títulos como mistérios, certamente exóticos, mas ricos em aventuras, personagens, ambientes. Uma volta ao mundo, do verdadeiro e falso. Donde, um tour de force.
De ter criado países que não existem (Syldavia), de ter antecipado os grandes temas do século XX (natureza, energia, media, ideologias), até sucumbido à tentação etnocêntrica ("Tintin au Congo "), em suma, ter vivido.
Partimos, então, novamente na pegada das viagens de Tintim, para cada uma delas, a vontade de viver para a verdade que Hergé desenhou para nos fazer sonhar.
Com a sua camisola de lã gravada com uma âncora, a sua barba tipo Cap-hornier (marinheiro que navegou pela rota do Cabo Horn) o seu cachimbo, o capitão fez-se notar desde a sua aparição no álbum “Le crabe aux pinces d’or” em 1940. A bordo do "Karaboudjan", um navio de carga que transportava ópio, o capitão aparece sob o aspecto de um bêbado, abúlico, gordo e choroso. Um patim que Allan, o segundo oficial, manobra como quer ... antes que Tintin fuja num barco salva vidas com Haddock, o que será a tábua de salvação para o capitão.
Nesse mesmo álbum, Tintim fará o capitão passar por uma cura de desintoxicação, o que, posteriormente, não o impedirá de brindar, no conforto burguês de Moulinsart, com um whisky de puro malte.
Longe das docas e da espuma do mar, o marinheiro alterna entre o tédio ou tempestuosidade, lançando impropérios aos "Bachi-Bouzooks" e "ectoplasmas" que têm o azar de se cruzar seu caminho.
O personagem mais tonitruante da banda desenhada tem um nome que Hergé teria encontrado por acaso. Um seu antepassado, o capitão François Hadoque, comandou um vaso de guerra ao serviço do rei Luís XIV.
Fisicamente, Haddock é um cinquentão barbudo e corpulento, com um rosto particularmente expressivo. Com ele, nenhuma pretensão, raiva, alegria, depressão ou ironia podem ser lidas facilmente no seu rosto.
Ele distingue-se acima de tudo por seu órgão vocal e um vocabulário fora do comum. O seu impropério favorito, "tonerre de brest, traduzido para cinquenta línguas, incluindo o frísio e o feroês, viajou pelo mundo.
Um especialista na obra de Hergé, Albert Algoud, localiza a origem da exclamação no século XVIII, quando o canhão da prisão de Brest trovava para sinalizar a evasão de um prisioneiro.
Moralmente, Haddock é menos caricatura do que parece. O seu senso burlesco não o torna um palhaço. Petrificado pelas contradições, ele projeta a série Tintim no universo adulto.
Este herói romântico não para de evoluir e forja laços pessoais com os outros membros da família: Professor Tournesol, Valet Nestor, Séraphin Lampion ou a inefável Castafiore. Com a diva, outro monstro sagrado, as relações são difíceis. Este "ciclone" regularmente troca seu apelido, tratando-o por Korbak, Koddak, Bartok
O capitão vinga-se tratando-a por “Castafiole". Quando a imprensa sensacionalista ousa, em "Les Bijoux de la Castafiore", casar "o almirante aposentado" com o "Rouxinol milanês", o sangue do capitão apenas circulará uma vez. Não que ele seja misógino, mas simplesmente surdo para a arte lírica. Igualzinho ao Hergé.
Mesmo que afirme que deseja apenas descansar, Haddock continua sendo um flibusteiro que sonha com abordagens e saques.
Mas a censura está presente. No álbum "Le Temple du Soleil", Hergé mostra o capitão no momento em que descobre ouro num antigo tambor inca, e as suas pupilas rolam diante do saque. Muito ganancioso aos olhos de leitores bem-pensantes do pós-guerra, Hergé teve que remover essas desenhos. Saía o flibusteiro movido pelo apetite do ganho.
Quando ele viaja de avião no último álbum e se contenta em jogar na batalha naval ("Vol 714 pour Sydney"), a sua abordagem continua oscilante e a sua camisola de lã fede a tabaco.
Finalmente, a água ainda o horroriza. Água mineral, claro.
Bons ventos, capitão!
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