quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Da corrida popular ao desporto de massas




Ao longo das últimas duas décadas o acto de correr voluntariamente longas distâncias passou de um curiosos passatempo de alguns viciados do fitness, como eu, para um fenómeno nacional. 

Recordo-me das minhas corridas pela marginal até ao Douro no início dos anos 90, nos dias ensolarados em que me cruzava com uma multidão de pessoas a passear, desfrutando do Sol e da bonita vista do Atlântico até à Foz e da margem norte do Douro. No início dos anos 2000 houve a febre das bicicletas. Foi nessa época que nasceram as ciclovias, que hoje estão generalizadas pela cidade e arredores. 

Quando corria tinha que estar atento aos ciclistas que tomaram conta dos passeios e aos transeuntes, muitas vezes em rota de colisão comigo. Hoje em dia os corredores enxameiam. Usam cores garridas, headphones, monitores de frequência cardíaca com GPS, fitas na cabeça, bonés, calções, camisolas técnicas e sapatilhas de marca que alegam uma absorção do impacto e outras funcionalidades positivas para que corre.  Uma grande evolução a favor de uma vida mais saudável.

Para termos uma idea da dimensão que a corrida tem nos EUA, em 2014, de acordo com o Running USA, 18.75 milhões de americanos terminaram uma corrida de estrada, e 550.637 acabaram uma maratona, o maior desafio de um corredor, contra 25.000 em 1976. Realizaram-se 1.200 maratonas em 2014, quatro vezes o número de 2000. O crescimento das meias-maratonas e corridas de 5K foi ainda mais rápido.

Em Portugal estima-se em 1,45 milhões o número de corredores, dos quais 460.000 correm regularmente, não existindo dados sobre o número de provas organizadas por ano. É assim o quarto desporto em número de praticantes.

Com a época das corridas de longa distância a atingirem pousio, este desporto está a ser olhado mais que nunca pelas grandes companhias. Estimativas da IBISWorld citadas pela revista Fortune, a organização de corridas de estrada vale nos EUA qualquer coisa como $ 1,4 biliões (vendas de sapatilhas não incluídas), com os organizadores das corridas e patrocinadores cada vez mais a reclamar por uma fatia do crescente bolo do mundo dos desportos participativos.

Mesmo Richard Branson está nele, e no início deste ano, recrutou Mary Wittenberg, ex-CEO do New York Road Runners, o organizador (sem fins lucrativos) da maior maratona do mundo (NYCM), para a Virgin Sport, um novo empreendimento para eventos desportivos de massa, incluindo as corridas de rua.

A Virgin junta-se ao Competitor Group já estabelecido, que está expandindo o seu Rock 'n' Roll com uma série de corridas de estrada. Entretanto o Competitor, com receitas de $116 milhões foi comprado pelo private equity Calera Capital por um valor estimado em $ 250 Milhões em 2012. Rock 'n' Roll organizou a sua primeira corrida em Brooklyn, uma meia-maratona no passado dia 8 Outubro. 

Este negócio, soma e segue, e prova disto foi dada em Agosto, quando o Providence Equity Partners vendeu a Ironman Series à a China Dalian Wanda Group por $650 milhões, supostamente rentabilizando o seu investimento inicial em quatro vezes.

Para os patrocinadores, a corrida mantém um apelo único. Rico Harshbarger, CEO da Runners USA, afirma que os maratonistas - dedicados por natureza - tornam-se clientes fiéis em particular para as marcas que suportam o seu desporto. 

O perfil do corredor de estrada mudou muito. Na primeira prova que fiz (Meia-Maratona de Ovar) fui acompanhado por um operário da Fábrica que eu dirigia à época. E posso arriscar que 99% dos corredores do início dos anos 90 tinham rendimentos baixos, e a corrida era um desporto popular em que às sapatilhas baratas era necessário juntar uns calções e uma camisola de alças.  

Nos dias de hoje, segundo um estudo realizado pelo IPAM em 2014, o rendimento, dos corredores de estrada situa-se entre os $21.000 a $42.000 e 44% são licenciados. Nos EUA o rendimento médio de um corredor é $112.000, e pelo menos 79% são licenciados.

A participação nas corridas de longa distância não está crescer ao ritmo do passado recente, e actualmente muitos dos eventos são de pequena participação para chamar a atenção de grandes anunciantes, especialmente para corridas pontuais. "É realmente difícil conseguir patrocínio para apenas um dia", diz Wittenberg. Patrocinadores pretendem um circuito. Isso levou grupos como o Competitor a comprar a organização de corridas de média dimensão já existentes de 5.000 a 10.000 corredores, com planos para mudar o seu nome (rebrand), usando as suas competências logísticas para as melhorar. Dessa forma, não só os organizadores da corridas beneficiam de economias de escala, mas eles podem vender patrocínios numa escala superior e em bulk.

Não é por acaso que na República Checa as corridas de estrada mais importantes são organizadas num circuito por um único organizador a Run Czech o que permite garantir patrocinadores para uma ou mais temporadas.

Nem todo mundo ama a racionalização, mas a entrada dos big players pode vir a ter um efeito democratizante. Mais organizadores estão a concentrar-se em corridas mais fáceis como 5Ks, que estão a crescer de forma particularmente rápida.

Claro que, a maioria das corridas ainda serão de uma pequena dimensão organizadas por voluntários. Numa manhã de Outubro o director da prova Freedom's Run, Dr. Mark Cucuzzella deu pessoalmente instruções aos corredores da maratona, uma corrida onde acabam 340 corredores em West Virginia. Ele não faz muito dinheiro, diz ele, mas nem tudo tem que dar dinheiro.

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