segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Os meus momentos únicos e incríveis na Maratona de Nova Iorque.

Correr é popular no mundo inteiro, porém, cada primeiro domingo de novembro é inegavelmente tecido na tela de Nova York. Corredores dos EUA, de todo mundo e não apenas os cidadãos de Nova Iorque consideraram a Maratona de Nova Iorque (NYCM) como única.

Esta foi a minha quarta estadia em Nova Iorque (NY), e sempre que regresso a casa, sinto saudades desta cidade. 

Este ano decidimos visitar Washington antes de tomar o rumo a NY. A cidade é muito agradável, com muitos pontos de interesse, e gente bonita.

Vindos de Frankfurt aterramos no aeroporto de Washington (Dulles International). Chegamos ao controlo de passaportes e à pergunta que venho fazer, respondo correr a NYCM, o agente olha-me e sorri, o que não é uma conduta normal destes funcionários das fronteiras EUA. Procede às diligências e no final deseja-me boa sorte. 

Demos uma volta a pé pela cidade, parando em cada ponto de interesse, como o Supreme Court, Washington Memorial, The Second War II Memorial, The White House e the Washington State Capitol. 

Nas escadas do Capitólio juntou-se um enorme grupo de estudantes que queriam tirar uma fotografia com o um dos seus representantes, o congressista republicano do Michigan, Dave Trott. Para um europeu, e português, estas coisas são interessantes. Imagino um grupo de estudantes de Castelo Branco nas escadas de São Bento com o deputado eleito por aquele circulo…

Viajámos para Nova Iorque no dia seguinte à noite, dois dias antes da maratona. 

Para além de todo o treino específico de preparação, na semana que antecede a prova, há duas recomendações dos profissionais da corrida que devem ser seguidas à risca: Dormir 8 horas e hidratar.

Com o jet lag e a mudança de hora, que ocorreu na véspera, as coisas ficaram um pouco mais difíceis quanto ao sono. Mas consegui dormir bem.


Domingo dia 1 de Novembro, é o dia da maratona. Levanto-me às 5:45 para ter tempo de fazer tudo com calma e tomar o pequeno almoço no Hotel. As dores no joelho direito lá estão. Difusas mas palpáveis.

Há um mês foi-me diagnosticada uma artrite no joelho direito. O médico aconselhou-me a deixar de correr. Nem longas, nem médias, ou curtas distâncias. Simplesmente deixar de correr e dedicar-me a outro tipo de actividade física. Como me tinha preparado para a Maratona de NY e já tinha tudo reservado e pago, decidi fazê-la. 

Às 7:15 pontualmente estou na The New York Public Library para apanhar o autocarro que leva os corredores do midtown para a partida em Staten Island. Adormeço nos primeiros instantes e só acordo com a voz da minha vizinha do lado: Chegámos!

São 8:30 no dia da maratona! Caminhamos para a aldeia maratona - a “staging area" em Staten Island, onde os corredores esperam pela sua hora de início pré-atribuída.

Decido ir à tenda do suporte médico para ver o que podiam fazer com o meu joelho. Entro e indicam-me uma maca para me deitar. O médico de serviço diz-me que, sendo uma artrite, não podia fazer grande coisa, e aliás eu nem devia estar ali, mas já que estava… Levanta-se e vai buscar qualquer coisa. Aparece com um rolo de filme estirável, pede-me para levantar a perna direita, e começa então a enrolar o filme à volta do joelho, apertando ligeiramente. Pára, corta o filme, e pede-me para me levantar e andar até à parede da tenda. Enquanto me levanto ele vai dizendo que aquilo não resolve mas mitiga e permite-me fazer os 42km. Parto a andar. Milagre: a dor desapareceu! O médico faz um sorriso, diz-me adeus e que me deixe de corridas.

Às 09:20 pelo sistema de som, chamam-nos para o ponto de partida. A energia era irreal. Sente-se uma mistura de nervosismo, emoção, incerteza, confiança, esperança e gozo pela multidão.

Eu estava ansioso para começar; Era um sentimento meio louco . Levanto-me tão cedo para chegar ao sítio da partida, e tenho que  esperar tanto tempo, que eu contava os minutos para começar. Subitamente, a contagem decrescente: “On your mark, get set," BANG “ Tiro e o Frank Sinatra com New York, New York. Começou. Eu estava zumbindo e o meu coração a bombar (a frequência cardíaca chegou aos 165 bpm)... Foi finalmente real.

Estava reservada uma surpresa para quando estávamos a atravessar a ponte de Verrazano - Narrows, que liga Staten Island a Brooklyn: A adrenalina que estava ao máximo junto com a inclinação, fizeram com que eu tivesse dificuldade em respirar. E, por uma fração de segundo, pensei que talvez este esforço fosse excessivo, mas estávamos ainda no começo... Desliguei a cabeça das pernas, e lá fui, com a respiração a voltar ao seu normal (sou capaz de correr uma hora a respirar pelo nariz, o que não é recomendável).

Correr no meio da Verrazano foi libertador. A cidade estava parcialmente fechada ao trânsito, e senti-me bem, com aquela sensação única de liberdade. Fui observando a estrutura da ponte, a água ao meu redor, os helicópteros no céu capturando tudo ... 

Fiquei surpreso com a quantidade de pessoas que caíram no início. Todo a gente estava ansiosa para estar na frente e obter o seu melhor tempo. Havia uma multidão a empurrar e apertar. Felizmente, consegui passar ileso por esta fase. Não obstante os recipientes para a roupa disponibilizados pela organização na zona de partida (são recolhidos todos os anos cerca de 30 toneladas de roupa para distribuir pelos necessitados da cidade de NY), ainda há muitos corredores que resolvem atirar para o chão o que traziam para os proteger do frio matinal: camisolas, bonés, luvas, etc., e isto constitui mais um obstáculo a ter em conta, para evitar uma queda.

A Verrazano tem um milha de comprimento (1,6 km), e quando cheguei ao outro lado, disse para mim: “Faltam apenas 25,2 milhas,” Sorri. Senti-me muito bem durante todo o percurso pelo Brooklyn. É uma longa parte da corrida; cerca de 16 milhas (25,6 km) da maratona são feitas em Brooklyn. Foi como doping ver todos os diferentes estilos dos bairros por onde passámos - pessoas diferentes, diferentes backgrounds, diferentes edifícios. A diversidade é uma das minhas coisas favoritas em NY. E tudo diante de mim era apenas um mar de cores e corredores, tanto quanto os olhos podiam ver.

Eu estava à procura da milha 13, porque naquele ponto, estaríamos a meio, e eu poderia começar a contagem decrescente. Este é o tipo de pensamento que me ocorre e serve de motivação quando faço os meus treinos, sobretudo os de longa distância.

Passando por Brooklin e Queens, tenho pela frente a Queensboro Bridge, que está entre a milha 15 (24km) e 16 (25,6 Km). Após mais de 20km as pernas já não estão frescas e a subida parece que nunca mais acaba. Começo a olhar para o chão, o que é mau sinal. Quando levanto a cabeça não vejo o fim à subida, que embora com uma suave pendente, é desgastante. Vejo os meus parceiros de desafio, começarem a caminhar abandonando o andamento de corrida. Durante o martírio começo a pensar noutro que é o aumento da dor no joelho sempre que tenho que descer. Vem a descida, e de acordo com a minha previsão a dor aumenta, mas suportável não me obrigando a parar. O estirável estava a cumprir a sua missão.

A entrada na Primeira Avenida é fantástica! O barulho da multidão a apoiar os maratonistas faz lembrar um estádio de futebol quando entra a equipa da casa. Constitui um factor de motivação extra para todos, e é também isto que faz da NYM “a maratona”. 

No final da Primeira Avenida, por volta da milha 19 tenho uma câimbra no adutor da perna direita. Parei, sentei-me e comecei a alongar. Os minutos estavam a contar, mas ao contrário das vezes anteriores, o tempo deixou de ser importante. A prioridade era chegar ao fim. Cerca de 5 minutos depois levantei-me e retomei a corrida com um andamento de jogging até ganhar confiança. 

Gosto dos placards e gritos de motivação da multidão ao longo do percurso, excepto nas pontes onde é interdito a permanência de pessoas para além dos participantes. Alguns dos meus favoritos: ”Free beer at the finish line!”. Um deu um passo em adiante com: “Free beer and sex at the finish line!” Havia placards com um círculo em redor: “Touch here for power!” Precisávamos disso. Os placards que diziam apenas “Just keep going” parece que apareciam na hora certa. Um com piada, era um saco de box com Donald Trump.

Aprecio imenso todas as pessoas que tomaram o seu tempo de domingo, e decidiram sair para a rua apoiar os corredores. Os gritos de incentivo, aplausos e a boa energia realmente faz a diferença - para não mencionar todas as bandas tocando nos passeios, e os DJs  com suas cabines ao longo do percurso. Para quem tem que correr os 42,195 Km este ambiente ajuda muito. Ainda sinto o baque da bateria e do baixo para coincidir com o ritmo dos nossos pés. Algures em Brooklyn, alguém estava tocando a música "Hit the Road, Jack." Isto foi perfeito.

Essa energia acompanhou-nos durante todo o caminho até Manhattan, sobre a ponte para o Bronx, e depois de volta para Manhattan - no Harlem, e finalmente pela Quinta Avenida. Toda a gente que veio para a rua apoiar todos os corredores eram heróis para mim e para todos os outros corredores. 

Na milha 20, pensei: ”apenas seis milhas à esquerda! Pode ser assim tão mau?”  Mas foi afinal quando ficou mais difícil. Mais uma câimbra no mesmo adutor, mas desta vez, menos forte, sem nenhuma razão que o explique. Tornei a parar para alongar. Recomecei o que parecia uma eternidade: Chegar à próxima milha. À dor no joelho juntava-se a dor na zona do adutor. Perguntava a mim próprio o que fazia ali a sofrer. O que me fez ir para a frente foi ver corredores incríveis com próteses nas pernas, um homem levando um corredor cego, ou uma mulher mais velha andando com uma bengala. Estas foram as ondas de força que eu precisava. E a lembrança de que minha mente é forte, ainda mais forte do que o meu corpo - o exemplo mais íntimo da mente sobre a matéria.

Vejo o Central Park do meu lado direito, entre a milha 22 (35,2 km) e 23 (36,8 km). Mas ainda faltava a eternidade de 3,2 milhas (5.12 Km).  Mesmo à entrada do Central Park, nova câimbra! Parado outra vez. Repete-se o processo. Recomeço e resgato a energia que me restava, e “ataco” as milhas que faltam até à meta. Consigo acelerar e passar por muitos que já iam a caminhar. 

Finalmente a meta. Corto a meta extenuado e com dores nos joelhos e nas pernas. Dobro-me e agarro os dois joelhos, olhando para o vazio. Chegam ao pé de mim e perguntam-me se estou bem. Respondo que estou morto e abro um sorriso antes que me levem a serio. Mesmo assim perguntam-me se preciso de assistência médica. Ponho-me direito, mantendo o sorriso e digo que não, que estava tudo bem, que queria a minha medalha e a foto com ela. E lá fui buscar a medalha e tirar a foto.



Para o ano há meias-maratonas. É vicio…

5 comentários:

  1. Não posso deixar de fazer o paralelo entre a Maratona e a Vida, com uma sucessão alternada de satisfações e de sofrimentos, de quase desistência e de redobrado ânimo. Os Maratonistas simulam a Vida a cada corrida, e tal como "separam a cabeça do corpo" incitam-nos a separar a cabeça do coração, nos momentos de maior dúvida. Uma vez medalhados "Finisher", podemos voltar a juntar as partes.

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    1. Concordo com a tua analogia, se bem que haja uma diferença assinalável, é que na maratona só dependes de ti, mesmo com o apoio dos outros, na vida dependes também destes.

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  2. Muitos Parabéns, é um acto de coragem.Abraço



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  3. Parabéns ZBP! Finalmente "corri" uma maratona na vida lendo este magnífico texto. Abraço! TP

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