Quando se pensa na Alemanha, a maioria imagina um país organizado e trabalhador, metódico e padronizado, regrado, ordeiro e profundamente racional nas suas práticas.
Predicados que intuitivamente sabemos fazerem parte do colectivo alemão e que facilmente associamos ao país, aos seus produtos, à sua cultura e às suas rotinas. Apesar de muitos de nós, especialmente os europeus do sul, sentirmos hoje alguma relutância emocional em reconhecer estes méritos alemães, não podemos deixar de perfilhar estas premissas que sabemos serem autênticas e reveladoras de uma forma diferente de modelo social.
O modelo alemão é racional, regrado e normalmente focado na funcionalidade e precisão, em detrimento da imagem ou das aparências. Uma realidade que poderá muito provavelmente ser imputada à maioria dos produtos alemães mais afamados, electrodomésticos, máquinas robustas para quase todas aplicações e automóveis.
Pois, no melhor pano cai a nódoa, e o escândalo VW belisca a credibilidade da indústria automóvel alemã. Não está em causa uma eventual falta de robustez mecânica dos automóveis fabricados pela VW, ou outra falha que possa pôr em risco as pessoas que conduzem ou usam diariamente veículos da marca. Mas hoje em dia, o tema da poluição faz parte das nossas vidas, e a VW ao mascarar um problema nos seus motores a diesel sem ir à causa raiz, pôs em causa uma reputação que levou mais do que 70 anos a consolidar.
Todos os dias a mancha de óleo estende-se um pouco mais. O Grupo Volkswagen (VW), maior fabricante mundial de automóveis não consegue estancar o escândalo ligado ao software que distorceu os dados da poluição associados ao dióxido e óxido de nitrogénio (NOx) em 11 milhões de motores a diesel.
Os Estados Unidos decidiram bloquear a venda de novos modelos a diesel do grupo alemão, enquanto a Suíça decretou a proibição da venda de novos veículos a gasóleo que não cumpram a norma Euro 6. Esta decisão abrange 180 000 carros da VW , Audi, Skoda e Seat.
Espanha, onde mais de meio milhão de motores foram fabricados com o algoritmo de gestão dos gases falseado, discutiu com a Volkswagen para exigir o reembolso dos bónus oferecidos na compra de veículos chamados "limpos" (2000 euros por veículo ). E os Estados Unidos, onde as potenciais penalidades para o Grupo Volkswagen atingem os US $ 18 biliões, cerca de cinquenta queixas colectivas contra o grupo alemão já foram apresentadas.
Comprar um VW Passat ou Jetta equipados com motores diesel, nos EUA, custa agora menos 5000-7000 dólares. 80 % dos veículos do Grupo Volkswagen vendidos em os EUA estão equipados com um motor diesel. Este escândalo ameaça a existência da fábrica de Chattanooga no Tennessee, que emprega 2.500 pessoas, e cujas as instalações receberam $900 milhões de dólares de subsídios das autoridades dos EUA. Vamos esperar para ver se há consequências para a fábrica de Palmela.
A empresa fornecedora alemã Bosch, também está envolvida no tumulto. Na verdade, é a OEM (Original equipment manufacturer) que forneceu o software para VW e permitiu distorcer os testes de poluição. Estes últimos são feitos a baixa velocidade em rolos de teste. O comportamento particular do veículo foi detectado e deu-se início ao processo de falsificação dos dados NOx. A Bosch defende-se, na imprensa alemã, dizendo que o software foi especificamente fornecido em 2007 à VW para testes e não para equipar os veículos.
O responsável para parar todo este escândalo é Matthias Müller, de 62 anos, CEO da Porsche, que substitui Martin Winterkorn. "Nós podemos e vamos superar esta crise", prometeu na sexta-feira o novo chefe. O grupo Porsche já proprietário da maioria da VW, também beneficiou da queda no preço das ações (-34%, cerca de 20 biliões de euros) para comprar a um preço que permaneceu confidencial, as ações nas mãos do fabricante japonês Suzuki. O controlo da Porshe sobre o Grupo VW, subiu de 50,7% para 52,2%.
O escândalo eclodiu devido a uma decisão estratégica tomada há oito anos, conforme conta em pormenor o jornal alemão Bild am Sonntag.
Em 2005, quando o Grupo Volkswagen enfrentava uma perda de rentabilidade e preparou um programa de redução de custos, duas pessoas foram encarregadas de desenvolver um motor diesel para o mercado dos EUA, onde as normas de emissão de NOx são duas vezes severas do que na Europa, o que era muito difícil de conseguir para a capacidade média do motor da gama de motores Volkswagen. Estes motores “aquecem” mais, o que provoca uma forte emissão de NOx . Wolfgang Bernhard, director da marca VW, escolheu o engenheiro, Rudolf Krebs, para desenvolver um protótipo do motor diesel " limpo”.
Ambos optaram pela conhecida tecnologia SCR que contempla a neutralização do NOx (-80 %) por injecção de uma mistura de ureia e água, contida num pequeno reservatório, no sistema de escape através de um catalisador. O custo deste dispositivo ronda os 300 euros por veículo. Os engenheiros insistiram para que este sistema fosse adoptado. Em vão. Foi considerado muito caro pelos líderes da VW que optaram em 2007 por um equipamento mais simples provavelmente acompanhado pelo o software que está por detrás da fraude. Os danos causados por esta decisão, tomada para poupar algumas centenas de milhões, totalizam hoje dezenas de biliões de euros.
É caso para dizer: " Há vidas mais baratas, mas não compensam."
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