quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

A ditadura do consumo



Nos tempos em que trabalhei nos FMCG (Fast-moving consumer goods) aprendi com os meus colegas do Marketing como a oferta gera a procura. Vi a aplicação prática das técnicas que induzem o consumo de produtos que, muitas vezes, não satisfazem necessidades dos consumidores, têm um ciclo de vida curto, e que são substituídos por outros com igual fim. 

Entendi como se cria mercado e se formatam os consumidores quer através da sofisticação dos produtos, com preços altos, quer com produtos com preço baixo, e mais importante: A mudança de uma lógica de produção, que perdurou desde a revolução industrial, com o seu vértice na produção do Ford T, para uma ditadura do mercado, e do consumo.

Deu-se também uma mudança drástica na forma de fazer negócio, que foi imposta pela mercado, e que viria a ter forte impacto na economia. Até ao início da década de 80, o produtor fazia os preços a partir dos custos que tinha para produzir os seus produtos, acrescentava-lhe a sua margem e obtinha deste modo o preço de venda. O mercado veio alterar esta forma secular de fazer negócio, já que o preço passou a ser determinado pelo mercado, sendo os custos e a margem uma consequência.

Na batalha que se joga pelo pelo menos há dois séculos entre economia e política, entre o mercado e democracia, entre capitalismo e o Estado, a vantagem vai para o mercado, porque é global, em detrimento da democracia, fechada nas suas fronteiras.

É por esta razão que Jacques Attali afirma:

"Uma economia mundial sem Estado de direito está a desenvolver-se. Ela conduz ostensivamente à vitória dos consumidores e dos produtores, actores do mercado, sobre os eleitores, actores políticos. Ela exige, como podemos ver, a deslocalização e desregulamentação. Contudo, a situação é mais complexa, porque todos os eleitores são consumidores; enquanto metade deles só são trabalhadores. Portanto, há uma domínio do eleitor-trabalhador pelo eleitor-consumidor. Em cada um de nós e na sociedade. 

Os consumidores e eleitores aliam-se-se de alguma forma contra os trabalhadores. Donde, sempre que pode fazer uma escolha, tomar uma decisão, sempre que conserva um embrião de influência, o político, qualquer que seja o seu partido, favorece o consumidor em detrimento do trabalhador para que o consumidor dirija o voto do eleitor. Assim o eleito escolhe uma política de encorajamento de preços mais baixos dos produtos, o que agrada a quem consome, embora esta diminuição favoreça as importações prejudicando os trabalhadores locais. Aqui o político opta por aumentar os impostos sobre o trabalho e baixar os impostos sobre o consumo: Mais imposto sobre rendimentos e menos IVA. Mais vale desagradar a quem volta do escritório ou da fábrica do que quem volta do supermercado.

Isso explica por que o desemprego é menos combatido que a inflação, por que o progresso tecnológico está orientado para melhorar a sorte do consumidor, ao invés de melhorar a vida dos trabalhadores. Isso também explica por que existem muitos mais acidentes de trabalho do que os envenenamentos em casa, porque a formação profissional é muito menos considerada que a indústria da distração. Se esta situação se mantiver, os trabalhadores serão cada vez mais mal pagos a fabricar produtos vendidos cada vez mais baratos para consumidores cada vez mais exigentes."

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