sexta-feira, 3 de julho de 2015

Seja "sim" ou "não" os gregos devem construir um estado.



O referendo pretendido por Tsipras tem, pelo menos um imenso mérito, de pôr em primeira linha o aspecto político da crise grega.

Obcecado com exercícios contabilísticos, o Ministro Alemão das Finanças e os seus funcionários de Bruxelas tem passado longe desta dimensão essencial, preocupado que está com perdas e ganhos. Especialmente com as perdas.

Se a Grécia se encontra aspirada pelo vortex de uma dívida astronómica, deve-se, em grande parte ao facto, dos Gregos considerarem o Estado como um corpo estranho.

“Sob o domínio otomano, o Estado era naturalmente considerado como exterior ao povo grego. De forma clandestina ou por revolta aberta, era portanto necessário opor-se a ele. Depois de uma sangrenta guerra de independência e de numerosos testes de autonomia no seio do império a Grécia tornou-se oficialmente “independente” em 1830. As aspas são necessárias, de facto. Porque essa fachada de independência era uma folha de figueira. Ou melhor, uma esconde-dívida! O país encontra-se, já não sob o controlo dos Otomanos, mas sob o dos “países protectores”, a França, Rússia e o Império Britânico, a Grécia comprou armas a estes países para a sua luta contra os otomanos.” Sim, a dívida pública abissal, é uma longa história!

Otto, also spelled Otho  
                                          


   
 George I ; born Prince Vilhelm [William] of Schleswig-Holstein-Sonderburg-Glücksburg; 





E são as mesmas potências que impuseram os seus reis aos Gregos. Reis estrangeiros: O Bávaro Otto 1º, seguido do Dinamarquês William (George I da Grécia).

Se tivesse havido um nobre Inuit no mercado de coroas, não há dúvida de que os gregos o teriam herdado! Como encarnar o Estado helénico com tais monarquias vindas do frio?”
“De seguida, os Gregos experimentaram uma república de 1924 a 1935. Voltaram à monarquia e tiveram a sua primeira ditadura (do general Metaxas) de 1937 até à invasão nazi. Esta arrasou o país - daí um pesado contencioso entre a Grécia e a Alemanha - causando a morte a mais de 300 000 gregos. Desde o final da ocupação nazi, a Grécia conheceu até 1949, uma guerra civil particularmente sangrenta, cujo o balanço em perda de vidas humanas atingiu os 200 000 mortos.”

Entre 1939 e 1949, os dois conflitos provocaram portanto o desaparecimento de meio milhão de pessoas, o que para uma nação que contava com 7,2 milhões de habitantes em 1939, é considerável. Acresce, que a guerra civil entre comunistas e não-comunistas, dividiu de uma forma durável o povo Grego.


“Considerado pelos gregos, na melhor das hipóteses, como um ectoplasma, e na pior das hipóteses como uma calamidade, o Estado não encontrou muita gente para o defender, se assim não fosse era pouco provável o que sucedeu com poucas famílias poderosas que o fizeram sua propriedade, quase pessoal, fomentando a criação de redes suserania e clientelismo”


As dinastias  Papandreou, Karamanlis et Mitsotakis explicam muito bem esta realidade. E não foi com a ditadura dos coronéis (1967 a 1974) que o povo se reconciliou com o Estado. Neste contexto a fraude fiscal, as cunhas, os pequenos “arranjinhos”, a grande corrupção, tornaram-se regra. As famílias reinantes abotoaram-se dos bens públicos e os armadores gregos tinham como pátria de eleição os paraísos fiscais, para quê aborrecer-se?

A Grécia entrou portanto na EU e na zona euro sem um estado digno desse nome, com hábitos que deviam necessariamente em contradição com regras a observar em matéria orçamental. Tudo isto estava à vista de Bruxelas, Paris, Londres e Berlim, mas não impediu a Alemanha, a França e os restantes a aceitar este novo parceiro, não obstante as suas fraquezas. Os países europeus devem também a sua quota de responsabilidade, e pagar as consequências da sua… inconsequência. Assumir uma parte da dívida é o mínimo (moindre des choses).

Quanto aos Gregos, qualquer que seja o resultado do referendo, eles vão viver anos de vacas anoréxicas. Mas esta rude prova pode também permitir-lhes construir um estado que nunca tiveram a possibilidade de ter de acordo com os seus próprios planos. É o bom momento, já que as grandes famílias que apodreceram a Grécia foram varridas.

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