sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Angela Merkel e princípios humanísticos.


Abundam, no seu país e em toda a Europa, críticos de Angel Merkel. Certo é que muito é muito, e que devemos colocar, agora, limites ao humanismo. Mas vamos ser honestos: só se pode admirar a coragem que ela teve, assim como o povo alemão, no início da chegada de dezenas de milhares de sírios e outros refugiados. Angela Merkel e os alemães fizeram prova de sangue frio e de uma notável organização, indo ao ponto de transmitir cursos de alemão por telemóvel, para aqueles que caminhavam durante dias para chegar à terra prometida ... Esses refugiados, também se podem admirar, nós que os vemos do nosso sofá,  esperar horas ou dias na lama ... Um pouco de humildade da nossa parte não faz mal. Ouvir os seus testemunhos leva-nos de volta ao essencial: a liberdade, o respeito pelos outros, a solidariedade.

Angela Merkel, filha de um pastor luterano, deu-nos uma lição de moral, uma coisa que não gostamos, mesmo que a maioria dos empresários alemães estejam satisfeitos com esta mão-de-obra. Podemos dizer que os alemães têm "experiência" na integração de povos em busca de uma vida melhor. No final da Segunda Guerra Mundial, tiveram que acomodar 15 milhões de refugiados do leste da Alemanha (Prússia Oriental, Pomerania, Silesia, e Checoslováquia). 

Isto foi feito em silêncio, já que profundamente culpabilizados  pelos horrores cometidos. Cada família foi obrigada a acomodar muita daquela gente, que posteriormente emigrou para os Estados Unidos e outros lugares. 

A "revolução das velas", iniciada principalmente por igrejas luteranas da ex-RDA, ajudou à queda do Muro de Berlim, em 1989. O chanceler Helmut Kohl, em seguida, fez todos os esforços para a reunificação do povo alemão. Reunificação e integração bem sucedida, não obstante ainda existirem no leste algumas bolsas de pobreza. 

Os alemães têm, também, experiência adquirida com seus trabalhadores turcos que falam alemão e turco e não têm a mesma cultura religiosa. No seu conjunto, uma maioria, em grande parte em regime de voluntariado, está empenhada em que a integração destes emigrantes seja uma realidade, respeitando esta nova identidade desconhecida, organizando por todo lado, cursos de alemão para que o diálogo e a integração sejam rapidamente possíveis. No longo prazo, terão por certo ter sucesso, não tendo provavelmente a relutância em lhes dar direitos políticos, como têm feito com os do Leste e turcos. 

No caos  actual da guerra (Síria, Líbia, Iraque e Afeganistão) e suas conseqüências: destruição e pobreza, é certo que teremos mais refugiados muçulmanos na Europa. Temos muito a fazer para nos preparamos por todo lado na Europa ( a Alemanha vai à frente): construindo pontes entre as duas culturas, aprendendo mais sobre os muçulmanos e aprofundando os nossos próprios valores humanistas, cristãos e laicos. Diria que é pôr em causa as nossas crenças (se tivermos ...), uma releitura do nosso passado, do que somos hoje, e a visão do que queremos ser. O escritor e filósofo muçulmano Abdennour Bidar (ameaçado de morte), diz que a pior das ameaças é o vazio espiritual. 

Estas linhas foram escritas depois dos atentados de Paris e do Mali, para que não nos esqueçamos de todos aqueles seres humanos que fogem do caos à procura de segurança e de viver em paz.

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

"O Pacto das Catacumbas" - A minha Igreja


"Há 50 anos, no dia 16 de Novembro de 1965, quatro dezenas de bispos e cardeais dos diversos continentes, todos eles participantes no Concílio Vaticano II que estava então a concluir-se, reuniram-se em Roma para firmar um pacto. Pretendiam uma celebração discreta, longe dos holofotes, inclusive para salvaguardar de interpretações ambíguas o seu gesto. Mas o lugar escolhido tinha uma inegável natureza simbólica e programática: As catacumbas romanas de Domitila com toda a evocação de um cristianismo essencial e comprometido. Através daquele pacto, os bispos comprometiam-se a caminhar lado a lado com os pobres, reassumindo uma radicalidade evangélica que faz parte da trajectória da memória cristã (pense-se no primeiro franciscanismo, por exemplo), mesmo se muitas vezes esquecida. Também por isso se assumiam, agora não só, como uma igreja atenta aos pobres mas como uma igreja dos pobres, investindo numa conversão crítica do paradigma dominante.

A força profética e política dos 12 pontos desse pacto, depositando pelos signatários nas mãos do Papa Paulo VI, e a exemplar fidelidade dos seus protagonistas fazem do pacto das catacumbas um dos documentos fundamentais para entender algumas das horas mais luminosas do catolicismo contemporâneo. A oportunidade do seu cinquentenário, coincidente com o pontificado do Papa Francisco, tem provocado um enorme interesse e debate, com a tradução do texto original em várias línguas. Em Portugal acaba de surgir num volume editado pela Paulinas Editora.

Que se propunham os bispos? A revolução da simplicidade. Deixar os palácios episcopais e viver em casas iguais às das suas populações. Renunciar aos sinais exteriores de riqueza e à riqueza em si. Não possuir imóveis nem contas bancárias em seu nome. Confiar a gestão financeira e material das dioceses a comissões de leigos competentes e cônscios do seu papel apostólico; recusar-se a ser chamado, oralmente ou por escrito, com nomes e títulos que signifiquem a grandeza e o poder, preferindo ser chamado com o nome evangélico de padre; evitar aquilo que pode parecer privilégio ou uma preferência pelos ricos e poderosos; oferecer todo o tempo, reflexão, coração e meios ao serviço apostólico e pastoral das pessoas e dos grupos economicamente mais débeis; transformar as obras de beneficência em obras sociais baseadas na caridade e na justiça; lutar para que os responsáveis pela governação decidam e ponham em prática as leis, as estruturas e as instituições sociais necessárias à justiça, à igualdade e ao desenvolvimento: requerer dos organismos internacionais a adopção de estruturas económicas e culturais que permitam às massas pobres saírem da sua miséria; tudo fazer para que o ministério episcopal constitua um verdadeiro serviço.

O pacto das catacumbas recorda que o Deus em que os cristãos creem não plana acima das questões escaldantes da história: Ele aparece claramente comprometido com a justiça e uma ordem social de equidade, manifestando-se a favor dos mais pobres, A opção pelos pobres, a escolha preferencial pelos sem voz nem vez remonta ao próprio Cristo e ressoa claramente nos textos das origens cristãs. Como resume a Primeira Carta de São João (1º Jo 4,20): "Se alguém disser ´eu amo a Deus', mas não amar o seu irmão, esse é um mentiroso; pois aquele que não ama o seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê." A fé para ser vital tem de aceitar o risco de ser uma fé encarnada. Aqueles cristãos que dizem "não queremos sujar as mãos na realidade do mundo", avisava já Charles Péguy, "acabam rapidamente por ficar sem mãos".

Padre José Tolentino Mendonça

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Estamos a cair numa armadilha

Mais uma vez, os tolos de Alá, terroristas e outros kamikases a quem é proposto o céu, ganharam! O horror em Paris que conseguiram criar, está a fazer os títulos de todos os meios de comunicação social e as imagens passam e repassam com um aviso de que as cenas podem, eventualmente, chocar as pessoas mais sensíveis. 

Clamamos por solidariedade, justificamos o sentimento crescente de medo das populações e excitamos indiretamente os círculos extremistas na Europa,. Tudo o que os terroristas procuram. Eles precisam de propaganda e caixa de ressonância para o seu delírio “purificador” e de massacre.

Uma das grandes forças dos terroristas, é precisamente explorar tudo o que é, em certo sentido, a grandeza dos países europeus: a liberdade de imprensa, liberdade de opinião, o respeito pela pessoa, a sua tolerância face a diferentes opiniões, a  livre circulação, a sua humanidade. 

Mas, como sempre, estes valores têm reversos porque as autoridades e os responsáveis que as aplicam, bem como as pessoas que as respeitam, são falíveis. A táctica terrorista é, evidentemente, de criar reflexos de Estados policiais, guerra religiosa, e pânico popular. Se possível paralisar a vida cotidiana, pôr em risco os recursos económicos como o turismo, causando uma onda de desconfiança, e de delação no seio da população.

E, provavelmente sem saber, os media suportam e promovem esta táctica, dando o máximo de audiência aos delitos dos assassinos. Os media não se podem calar, é evidente. Mas talvez devessem desistir de vender melhor por causa do efeito sobre a publicidade terrorista e de competir nos títulos e contos de horrores. Estadistas e políticos também devem exercer contenção. Há uma reflexão vital a fazer muito rapidamente. Esta é uma medida de segurança.

terça-feira, 17 de novembro de 2015

"The Clown in Show at VW"


Do Volkswagen execs hate polar bears? If not, just what were they allegedly thinking?

" So you ask yourself: What in the world were those guys at Volkswagen allegedly thinking? I'm using the word "allegedly" here not about what they allegedly did but about their thinking, which was most certainly alleged. The menschen structured and ambitious effort to jigger the hardware and software of millions of vehicles over a period of seven model years in order to be able to claim they were greener and more efficient than they were. Plotting? Sure. Executing their nefarious scheme with precision and technological excellence? Jawohl. But thinking as you or I would use the word? Nein. This goes way beyond that.

Why does this kind of thing happen? When you see dishonesty and deceit pursued as a business strategy, you cant't simply say that the people involved are just a bunch of crooks. That's too simple. So let's look at the possibilities:

They're a bunch of clowns: Well, possibly. But if so, they're very serious clowns. And there are a lot of them pouring out of that VW Beetle.

They're didn't know about it: I'm going to dismiss this one right now. Corporate citizens don't implement a massive plan to break significant laws without knowledge in a chain of command. Particularly Germans citizens.

They didn't know it was wrong: Huh? They were offering the world vehicles that at times exceeded ecologically responsible levels of emissions by 40x. You don't have to be a polar bear floating out to sea on a tiny ice floe to know there's something wrong with that.

They don't care about polar bears: Let's be kind. There must be individual VW employees who care about individual polar bears, but as a group it's possible their concern for for endangered species being wiped out by carbon gases was extinguished and replaced by other emotions. Like greed.

Greed? Really? Sometimes the simplest explanation are the most credible. Still, this doesn't feel like enough. They had to know this would cost them at some point down the road, unless...

They thought everybody else was stupid: I'll buy that. Corporate arrogance is not unheard of, nor is the belief that one's intelligence is superior to that of others.

They did it because they could. Now we're getting somewhere. Mad scientists in white coats don't build monsters only in the movies. Did we really need a hydrogen bomb? How about a method of editing genes to create a new species of ubermenschen? They're doing that today, although not VW.

They were actually proud of the engineering skill it took to pull it off. Of course they were. I guarantee you champagne corks were flying.

They're in a desperate fight for market domination that ruptured their normal sense of right and wrong: Yep. The company was facing rules and regulations that might have interrupted their ambitious drive to be No. 1 in the world. With the proper senior officers in charge, virtually any actions would be justified by greater good that was being achieved.

So they're operating on an ethical framework in which what they're doing is actually right, in a way? Yes. That's generally what people tell themselves when they ignore reports saying their oil rig will explode soon, or jump a turnstile, or hawk a security their firm is betting heavily against. Nobody really ever thinks, I'm going to do something wrong now. There's always a rationale. Sometimes a divine one.

Maybe they thought they could get away with it forever? Yeah. I bet they did.

And they figured they would be able to handle it if the thing blew up. Of course. People always tell themselves that.  

Still, if you add up all these things there is a moment when the guys in charge look at one another an say, "Achtung, baby," and pass the good news down the line. And that defying moment is what separates those who cheat, lie and steal from those who don't.

So they're crooks, right? I guess so. Now tell me something we didn't know."

By Stanley Bing @ stanleybing.com


domingo, 15 de novembro de 2015

Confrontados com a agressão dos fundamentalistas muçulmanos, e dos seus crimes, o que fazer, como reagir?

Não devemos baixar os braços e desistir. Devemos ter a ousadia de exibir em voz alta os nossos valores e fazê-los triunfar. Estamos na Europa, herdeiros de uma longa história com as suas partes sombrias, mas também com as suas as luzes, o que nos permitiu generalizar no nosso espaço a liberdade de expressão, o pensamento crítico, e o secularismo. Colocá-los na frente, individual e coletivamente, é a resposta que precisamos de dar.

Temos de deixar de ser compreensivos com o obscurantismo e a intolerância. É preciso dizer, de uma forma assertiva e de uma vez por todas, que o fundamentalismo islâmico é uma regressão intelectual inaceitável porque carrega uma enorme ameaça para a perpetuação dos nossos valores e das nossas vidas. Precisamos a todo custo de convencer as mentes pervertidas.

Concretamente isto significa que temos de nos concentrar em ensinar à nossa juventude, a não aceitar excessos contrários aos nossos valores, que possam ser incutidos por adultos, mesmo que sejam os seus pais. É inaceitável que no nosso território europeu, alguns continuam a colocar nas mentes frágeis conceitos apriorísticos e proibições religiosas. Temos de incutir nos jovens o amor pela ciência; mostrar-lhes a beleza dos números, o sonho da vida e as estrelas, em vez do livro "santo" de um ignorante do século VII. Quanto a este último, não há que hesitar em  mostrar as inconsistências, imprecisões, e do que não são verdades.

Face aos adultos, que vivem entre nós, mas que ainda não entenderam o século em que vivem, temos de ser claros. É preciso que os media deixem de manifestar um falso respeito, infundado, a uma ideologia retrógrada e, especialmente, anti-social. Devemos como sociedade, recusar sinais distintivos externos ou comportamentos que transmitam esta ideologia que nos faz guerra. Se deixarmos uma mulher usar o véu (ou pior, uma burca), depois dois, depois três, vamos acabar com uma população feminina posta numa condição inferior de liberdade diminuída. Se permitirmos que uma criança se ausente de uma aula de ciências naturais, onde é ensinada a teoria de Darwin, corremos o risco de perpetuar uma sociedade regressiva.

Parafraseando Willian Ernest Henley, “It matters not how strait the gate, How charged with punishments the scroll; I am the master of my fate: I am the captain of my soul.” eu diria que somos certamente todos nós os capitães da nossa própria alma, mas sendo seres sociais e ainda livres, acrescento também, que somos coletivamente responsáveis ​​pela evolução da sociedade a que todos nós pertencemos. Não nos esqueçamos na nossa vida cotidiana. Sem concessões!

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Os meus momentos únicos e incríveis na Maratona de Nova Iorque.

Correr é popular no mundo inteiro, porém, cada primeiro domingo de novembro é inegavelmente tecido na tela de Nova York. Corredores dos EUA, de todo mundo e não apenas os cidadãos de Nova Iorque consideraram a Maratona de Nova Iorque (NYCM) como única.

Esta foi a minha quarta estadia em Nova Iorque (NY), e sempre que regresso a casa, sinto saudades desta cidade. 

Este ano decidimos visitar Washington antes de tomar o rumo a NY. A cidade é muito agradável, com muitos pontos de interesse, e gente bonita.

Vindos de Frankfurt aterramos no aeroporto de Washington (Dulles International). Chegamos ao controlo de passaportes e à pergunta que venho fazer, respondo correr a NYCM, o agente olha-me e sorri, o que não é uma conduta normal destes funcionários das fronteiras EUA. Procede às diligências e no final deseja-me boa sorte. 

Demos uma volta a pé pela cidade, parando em cada ponto de interesse, como o Supreme Court, Washington Memorial, The Second War II Memorial, The White House e the Washington State Capitol. 

Nas escadas do Capitólio juntou-se um enorme grupo de estudantes que queriam tirar uma fotografia com o um dos seus representantes, o congressista republicano do Michigan, Dave Trott. Para um europeu, e português, estas coisas são interessantes. Imagino um grupo de estudantes de Castelo Branco nas escadas de São Bento com o deputado eleito por aquele circulo…

Viajámos para Nova Iorque no dia seguinte à noite, dois dias antes da maratona. 

Para além de todo o treino específico de preparação, na semana que antecede a prova, há duas recomendações dos profissionais da corrida que devem ser seguidas à risca: Dormir 8 horas e hidratar.

Com o jet lag e a mudança de hora, que ocorreu na véspera, as coisas ficaram um pouco mais difíceis quanto ao sono. Mas consegui dormir bem.


Domingo dia 1 de Novembro, é o dia da maratona. Levanto-me às 5:45 para ter tempo de fazer tudo com calma e tomar o pequeno almoço no Hotel. As dores no joelho direito lá estão. Difusas mas palpáveis.

Há um mês foi-me diagnosticada uma artrite no joelho direito. O médico aconselhou-me a deixar de correr. Nem longas, nem médias, ou curtas distâncias. Simplesmente deixar de correr e dedicar-me a outro tipo de actividade física. Como me tinha preparado para a Maratona de NY e já tinha tudo reservado e pago, decidi fazê-la. 

Às 7:15 pontualmente estou na The New York Public Library para apanhar o autocarro que leva os corredores do midtown para a partida em Staten Island. Adormeço nos primeiros instantes e só acordo com a voz da minha vizinha do lado: Chegámos!

São 8:30 no dia da maratona! Caminhamos para a aldeia maratona - a “staging area" em Staten Island, onde os corredores esperam pela sua hora de início pré-atribuída.

Decido ir à tenda do suporte médico para ver o que podiam fazer com o meu joelho. Entro e indicam-me uma maca para me deitar. O médico de serviço diz-me que, sendo uma artrite, não podia fazer grande coisa, e aliás eu nem devia estar ali, mas já que estava… Levanta-se e vai buscar qualquer coisa. Aparece com um rolo de filme estirável, pede-me para levantar a perna direita, e começa então a enrolar o filme à volta do joelho, apertando ligeiramente. Pára, corta o filme, e pede-me para me levantar e andar até à parede da tenda. Enquanto me levanto ele vai dizendo que aquilo não resolve mas mitiga e permite-me fazer os 42km. Parto a andar. Milagre: a dor desapareceu! O médico faz um sorriso, diz-me adeus e que me deixe de corridas.

Às 09:20 pelo sistema de som, chamam-nos para o ponto de partida. A energia era irreal. Sente-se uma mistura de nervosismo, emoção, incerteza, confiança, esperança e gozo pela multidão.

Eu estava ansioso para começar; Era um sentimento meio louco . Levanto-me tão cedo para chegar ao sítio da partida, e tenho que  esperar tanto tempo, que eu contava os minutos para começar. Subitamente, a contagem decrescente: “On your mark, get set," BANG “ Tiro e o Frank Sinatra com New York, New York. Começou. Eu estava zumbindo e o meu coração a bombar (a frequência cardíaca chegou aos 165 bpm)... Foi finalmente real.

Estava reservada uma surpresa para quando estávamos a atravessar a ponte de Verrazano - Narrows, que liga Staten Island a Brooklyn: A adrenalina que estava ao máximo junto com a inclinação, fizeram com que eu tivesse dificuldade em respirar. E, por uma fração de segundo, pensei que talvez este esforço fosse excessivo, mas estávamos ainda no começo... Desliguei a cabeça das pernas, e lá fui, com a respiração a voltar ao seu normal (sou capaz de correr uma hora a respirar pelo nariz, o que não é recomendável).

Correr no meio da Verrazano foi libertador. A cidade estava parcialmente fechada ao trânsito, e senti-me bem, com aquela sensação única de liberdade. Fui observando a estrutura da ponte, a água ao meu redor, os helicópteros no céu capturando tudo ... 

Fiquei surpreso com a quantidade de pessoas que caíram no início. Todo a gente estava ansiosa para estar na frente e obter o seu melhor tempo. Havia uma multidão a empurrar e apertar. Felizmente, consegui passar ileso por esta fase. Não obstante os recipientes para a roupa disponibilizados pela organização na zona de partida (são recolhidos todos os anos cerca de 30 toneladas de roupa para distribuir pelos necessitados da cidade de NY), ainda há muitos corredores que resolvem atirar para o chão o que traziam para os proteger do frio matinal: camisolas, bonés, luvas, etc., e isto constitui mais um obstáculo a ter em conta, para evitar uma queda.

A Verrazano tem um milha de comprimento (1,6 km), e quando cheguei ao outro lado, disse para mim: “Faltam apenas 25,2 milhas,” Sorri. Senti-me muito bem durante todo o percurso pelo Brooklyn. É uma longa parte da corrida; cerca de 16 milhas (25,6 km) da maratona são feitas em Brooklyn. Foi como doping ver todos os diferentes estilos dos bairros por onde passámos - pessoas diferentes, diferentes backgrounds, diferentes edifícios. A diversidade é uma das minhas coisas favoritas em NY. E tudo diante de mim era apenas um mar de cores e corredores, tanto quanto os olhos podiam ver.

Eu estava à procura da milha 13, porque naquele ponto, estaríamos a meio, e eu poderia começar a contagem decrescente. Este é o tipo de pensamento que me ocorre e serve de motivação quando faço os meus treinos, sobretudo os de longa distância.

Passando por Brooklin e Queens, tenho pela frente a Queensboro Bridge, que está entre a milha 15 (24km) e 16 (25,6 Km). Após mais de 20km as pernas já não estão frescas e a subida parece que nunca mais acaba. Começo a olhar para o chão, o que é mau sinal. Quando levanto a cabeça não vejo o fim à subida, que embora com uma suave pendente, é desgastante. Vejo os meus parceiros de desafio, começarem a caminhar abandonando o andamento de corrida. Durante o martírio começo a pensar noutro que é o aumento da dor no joelho sempre que tenho que descer. Vem a descida, e de acordo com a minha previsão a dor aumenta, mas suportável não me obrigando a parar. O estirável estava a cumprir a sua missão.

A entrada na Primeira Avenida é fantástica! O barulho da multidão a apoiar os maratonistas faz lembrar um estádio de futebol quando entra a equipa da casa. Constitui um factor de motivação extra para todos, e é também isto que faz da NYM “a maratona”. 

No final da Primeira Avenida, por volta da milha 19 tenho uma câimbra no adutor da perna direita. Parei, sentei-me e comecei a alongar. Os minutos estavam a contar, mas ao contrário das vezes anteriores, o tempo deixou de ser importante. A prioridade era chegar ao fim. Cerca de 5 minutos depois levantei-me e retomei a corrida com um andamento de jogging até ganhar confiança. 

Gosto dos placards e gritos de motivação da multidão ao longo do percurso, excepto nas pontes onde é interdito a permanência de pessoas para além dos participantes. Alguns dos meus favoritos: ”Free beer at the finish line!”. Um deu um passo em adiante com: “Free beer and sex at the finish line!” Havia placards com um círculo em redor: “Touch here for power!” Precisávamos disso. Os placards que diziam apenas “Just keep going” parece que apareciam na hora certa. Um com piada, era um saco de box com Donald Trump.

Aprecio imenso todas as pessoas que tomaram o seu tempo de domingo, e decidiram sair para a rua apoiar os corredores. Os gritos de incentivo, aplausos e a boa energia realmente faz a diferença - para não mencionar todas as bandas tocando nos passeios, e os DJs  com suas cabines ao longo do percurso. Para quem tem que correr os 42,195 Km este ambiente ajuda muito. Ainda sinto o baque da bateria e do baixo para coincidir com o ritmo dos nossos pés. Algures em Brooklyn, alguém estava tocando a música "Hit the Road, Jack." Isto foi perfeito.

Essa energia acompanhou-nos durante todo o caminho até Manhattan, sobre a ponte para o Bronx, e depois de volta para Manhattan - no Harlem, e finalmente pela Quinta Avenida. Toda a gente que veio para a rua apoiar todos os corredores eram heróis para mim e para todos os outros corredores. 

Na milha 20, pensei: ”apenas seis milhas à esquerda! Pode ser assim tão mau?”  Mas foi afinal quando ficou mais difícil. Mais uma câimbra no mesmo adutor, mas desta vez, menos forte, sem nenhuma razão que o explique. Tornei a parar para alongar. Recomecei o que parecia uma eternidade: Chegar à próxima milha. À dor no joelho juntava-se a dor na zona do adutor. Perguntava a mim próprio o que fazia ali a sofrer. O que me fez ir para a frente foi ver corredores incríveis com próteses nas pernas, um homem levando um corredor cego, ou uma mulher mais velha andando com uma bengala. Estas foram as ondas de força que eu precisava. E a lembrança de que minha mente é forte, ainda mais forte do que o meu corpo - o exemplo mais íntimo da mente sobre a matéria.

Vejo o Central Park do meu lado direito, entre a milha 22 (35,2 km) e 23 (36,8 km). Mas ainda faltava a eternidade de 3,2 milhas (5.12 Km).  Mesmo à entrada do Central Park, nova câimbra! Parado outra vez. Repete-se o processo. Recomeço e resgato a energia que me restava, e “ataco” as milhas que faltam até à meta. Consigo acelerar e passar por muitos que já iam a caminhar. 

Finalmente a meta. Corto a meta extenuado e com dores nos joelhos e nas pernas. Dobro-me e agarro os dois joelhos, olhando para o vazio. Chegam ao pé de mim e perguntam-me se estou bem. Respondo que estou morto e abro um sorriso antes que me levem a serio. Mesmo assim perguntam-me se preciso de assistência médica. Ponho-me direito, mantendo o sorriso e digo que não, que estava tudo bem, que queria a minha medalha e a foto com ela. E lá fui buscar a medalha e tirar a foto.



Para o ano há meias-maratonas. É vicio…