domingo, 30 de agosto de 2020

Bernard-Henry-Levy e "Este Virus que nos Enlouquece"

Bernard-Henry-Levy (BHL), esteve em Lisboa e Pedro Mexia aproveitou para uma interessante conversa, em que BHL falou do seu mais recente livro “Este Vírus que nos Enlouquece”. A monografia é um ensaio sobre os estranhos tempos que vivemos e à maneira errada como estamos a enfrentar a Pandemia. 

Felizmente que existem espíritos livres para lutar contra os bem pensantes que seguimos cegamente e imitamos sem discernimento. BHL leva-nos ao essencial deste período de confusão, mostrando-se sempre vigilante contra qualquer forma de totalitarismo, e alerta para a necessidade de nos desenvencilhar-mo-nos da ignorância e dos espíritos médico-político-mediáticos que nos matracam há meses.

Destaquei as seguintes reflexões: 

Sobre o discurso acerca do vírus: “…uso aquela fórmula do grande anatom-patologista Rudolf Virchow que disse que o vírus é um fenómeno social que comporta alguns aspectos sanitários”

Uso do temo “guerra”: “…detrás de um vírus não há uma vontade, não há uma estratégia nem um exército. E como para mim o grande erro face a esta pandemia foi justamente o de emprestar ao vírus uma intenção. Uma vontade, como se ele estivesse a dar-nos uma mensagem, um aviso, julgo que o que está na raiz de todas esses erros é ver o vírus como um inimigo. O discurso da guerra, como dizia André Glucksmann, é particularmente “mal vindo”. 

Sobre o medo: “Eu não crítico o medo. Constato-o. Constato também que contrariamente à ansiedade, para falar de forma freudiana, que é um alarme e que ajuda a agir, o medo é paralisante., impede a acção. É normal ter medo desta doença? É. Mas não mais do que outras doenças mortais. O  vírus é mortal em poucos casos, menos do que outros vírus, menos do que doenças terríveis e incuráveis como o cancro. Portanto, o medo foi excessivo, havia uma parte desse medo irracional, insensata. E o medo irracional chama-se pânico, cujos efeitos sociais não são bons,”  

“ A democracia é o desfazer do distanciamento social. O trabalho tem aspectos negativos, mas também tem aspectos bons, é assim que nasce a fraternidade, o sentido do que é comum.  O trabalho à distância é a solidão, o tédio, a mistura do privado com o público, a ideia de que não há esfera privada fora do imperativo produtivo, é o produtivismo, é a espionagem electrónica dos empregados pelos patrões. Eu acredito muito na escola, na sala de aula. É importante porque contribui para a igualdade, para que as crianças que não vivem num meio privilegiado escapem um pouco ao infortúnio. A generalização do home schooling não vai no bom sentido. Não é preciso ser um grande freudiano ou lacaniano para saber que o meio mais patogénico que há é o meio familiar. A família é uma árvore de felicidade mas é também um ninho de neuroses. Os portugueses ou franceses de amanhã que forem educados em home schooling vão sofrer de uma epidemia de neuroses, da falta de hábitos sociais, de uma falta de imunidade ao mundo verdadeiramente preocupante. A escola tem o grande mérito de ser uma fábrica de defesas imunitárias face a vírus como a guerra de todos contra todos, a competição, a concorrência. Esta explosão do número de crianças a estudar em casa vai lança-las depois no mundo verdadeiro que não é um mundo asséptico. E estarão desarmadas. Tudo isso, o tele-trabalho, o tele-ensino…”

domingo, 9 de agosto de 2020

 Tintin e o Capitão Archibald Haddock 

Celebram-se, este ano os noventa anos da primeira  edição do álbum “Tintin au pays des Soviets” (1930) e oitenta anos da aparição do Capitão Archibald Haddock no Álbum “Le Crabe aux pinces d’or”

Primeiro, a infância. Aquela das bandas desenhadas do Tintim. E imediatamente a viagem, através de nomes, títulos das capas: “Le Temple du Soleil”, “L’Étoile mystérieuse”, "Le Lotus Bleu" ... Melhor que um destino de uma agência de viagens, os títulos como mistérios, certamente exóticos, mas ricos em aventuras, personagens, ambientes. Uma volta ao mundo, do verdadeiro e falso. Donde, um tour de force. 

De ter criado países que não existem (Syldavia), de ter antecipado os grandes temas do século XX (natureza, energia, media, ideologias), até sucumbido à tentação etnocêntrica ("Tintin au Congo "), em suma, ter vivido. 

Partimos, então, novamente na pegada das viagens de Tintim, para cada uma delas, a vontade de viver para a verdade que Hergé desenhou para nos fazer sonhar.

Com a sua camisola de lã gravada com uma âncora, a sua barba tipo  Cap-hornier (marinheiro que navegou pela rota do Cabo Horn) o seu cachimbo, o capitão fez-se notar desde a sua aparição no álbum “Le crabe aux pinces d’or” em 1940. A bordo do "Karaboudjan", um navio de carga que transportava ópio, o capitão aparece sob o aspecto de um bêbado, abúlico, gordo e choroso. Um patim que Allan, o segundo oficial, manobra como quer ... antes que Tintin fuja num barco salva vidas com Haddock, o que será a tábua de salvação para o capitão.  

Nesse mesmo álbum, Tintim fará o capitão passar por uma cura de desintoxicação, o que, posteriormente, não o impedirá de brindar, no conforto burguês de Moulinsart, com um whisky de puro malte.

Longe das docas e da espuma do mar, o marinheiro alterna entre o tédio ou tempestuosidade, lançando impropérios aos "Bachi-Bouzooks" e "ectoplasmas" que têm o azar de se cruzar seu caminho.

O personagem mais tonitruante da banda desenhada tem um nome que Hergé teria encontrado por acaso. Um seu antepassado, o capitão François Hadoque, comandou um vaso de guerra ao serviço do rei Luís XIV. 

Fisicamente, Haddock é um cinquentão barbudo e corpulento, com um rosto particularmente expressivo. Com ele, nenhuma pretensão, raiva, alegria, depressão ou ironia podem ser lidas facilmente no seu rosto.

Ele distingue-se acima de tudo por seu órgão vocal e um vocabulário fora do comum. O seu impropério favorito, "tonerre de brest, traduzido para cinquenta línguas, incluindo o frísio e o feroês, viajou pelo mundo. 

Um especialista na obra de Hergé, Albert Algoud, localiza a origem da exclamação no século XVIII, quando o canhão da prisão de Brest trovava para sinalizar a evasão de um prisioneiro.

Moralmente, Haddock é menos caricatura do que parece. O seu senso burlesco não o torna um palhaço. Petrificado pelas contradições, ele projeta a série Tintim no universo adulto. 

Este herói romântico não para de evoluir e forja laços pessoais com os outros membros da família: Professor Tournesol, Valet Nestor, Séraphin Lampion ou a inefável Castafiore. Com a diva, outro monstro sagrado, as relações são difíceis. Este "ciclone" regularmente troca seu apelido, tratando-o por Korbak, Koddak, Bartok 

O capitão vinga-se tratando-a por “Castafiole". Quando a imprensa sensacionalista ousa, em "Les Bijoux de la Castafiore", casar "o almirante aposentado" com o "Rouxinol milanês", o sangue do capitão apenas circulará uma vez. Não que ele seja misógino, mas simplesmente surdo para a arte lírica. Igualzinho ao Hergé.

Mesmo que afirme que deseja apenas descansar, Haddock continua sendo um flibusteiro que sonha com abordagens e saques. 

Mas a censura está presente. No álbum "Le Temple du Soleil", Hergé mostra o capitão no momento em que descobre ouro num antigo tambor inca, e as suas pupilas rolam diante do saque. Muito ganancioso aos olhos de leitores bem-pensantes do pós-guerra, Hergé teve que remover essas desenhos. Saía o flibusteiro movido pelo apetite do ganho. 

Quando ele viaja de avião no último álbum e se contenta em jogar na batalha naval ("Vol 714 pour Sydney"), a sua abordagem continua oscilante e a sua camisola de lã fede a tabaco.

Finalmente, a água ainda o horroriza. Água mineral, claro. 

Bons ventos, capitão!