domingo, 31 de maio de 2015

Novel - Poem by Arthur Rimbaud


I.

No one's serious at seventeen.
--On beautiful nights when beer and lemonade
And loud, blinding cafés are the last thing you need
--You stroll beneath green lindens on the promenade.

Lindens smell fine on fine June nights!
Sometimes the air is so sweet that you close your eyes;
The wind brings sounds--the town is near--
And carries scents of vineyards and beer. . .

II.

--Over there, framed by a branch
You can see a little patch of dark blue
Stung by a sinister star that fades
With faint quiverings, so small and white. . .

June nights! Seventeen!--Drink it in.
Sap is champagne, it goes to your head. . .
The mind wanders, you feel a kiss
On your lips, quivering like a living thing. . .

III.

The wild heart Crusoes through a thousand novels
--And when a young girl walks alluringly
Through a streetlamp's pale light, beneath the ominous shadow
Of her father's starched collar. . .

Because as she passes by, boot heels tapping,
She turns on a dime, eyes wide, 
Finding you too sweet to resist. . .
--And cavatinas die on your lips.

IV.

You're in love. Off the market till August.
You're in love.--Your sonnets make Her laugh.
Your friends are gone, you're bad news.
--Then, one night, your beloved, writes. . .!

That night. . .you return to the blinding cafés;
You order beer or lemonade. . .
--No one's serious at seventeen 
When lindens line the promenade. 

Novel - Poem by Arthur Rimbaud

sexta-feira, 29 de maio de 2015

Táxis de Lisboa - uma descida aos infernos

Os últimos três dias passados em Lisboa, por razões profissionais, foram marcados por uma panóplia de sentimentos algo contraditórios. Sendo uma alfacinha de "gema", experimentei um verdadeiro sentimento de pertença ao percorrer as ruas e vielas da baixa lisboeta, lugar onde nasci ( bem perto do Castelo de S. Jorge) e onde vivi até meados da década de oitenta.

As deslocações a Lisboa, sendo frequentes, não deixam muito espaço para o que consegui fazer desta vez; calcorrear as ruas da baixa e beber o ambiente cosmopolita que a cidade tem neste momento. Muitos turistas, muito calor, noites quentes, música e performances de rua. Tudo isto emoldurado pelas maravilhosas colinas de Lisboa, pelo perfume e cores inebriantes dos jacarandás. Dir-se-ia que passei os três últimos dias no paraíso.

Seria até verdade, não fosse ter sido confrontada com uma realidade que tem sido frequentemente abordada em conversas informais com amigos  e mesmo na comunicação social. Falo do serviço de táxis em Lisboa. As deslocações na cidades foram sempre realizadas utilizando este meio de transporte e aconteceu de tudo um pouco:

Experiência 1

Santa Apolónia, 10,40 da manhã e eis que surge o primeiro desafio. Conseguir que um taxista mal humorado, e que utilizava para comunicar algo parecido com um grunhido, não querendo com isto ofender os pobres dos bácoros, animais que fazem parte do meu imaginário e me são particularmente simpáticos. No fundo, que contrariedade para o pobre homem, ter que levar quatro senhoras com bagagem a um destino à distância de dois quarteirões, correspondendo a uma tarifa de pouco mais de 7€. Mas enfim, lá foi, e só faltou "cuspir-nos" para fora do táxi, especialmente contrariado quando lhe pedimos um recibo com número de contribuinte - o cúmulo do descaramento, deverá ter pensado a figura.

Experiência 2

Chiado com destino à Fundação Gulbenkian.  Aqui a coisa correu quase em padrões próximos do que seria de esperar. Leva-nos ao destino e pagamos o serviço. Assim foi, se nos esquecermos dos diversos momentos em que tivemos que fechar literalmente os olhos para não nos arrepiarmos com as manobras dignas do filme " Missão Impossível" que o senhor foi fazendo, com o objectivo de nos fazer chegar rápido ao destino (mas qual das quatro lhe terá pedido pressa?). A única coisa que pretendíamos era de facto chegar ao destino, intactas. Chegámos, com a sensação que foi por pouco que não passámos primeiro pelas urgências do Hospital...

Experiência 3

Rossio com destino à Fundação Gulbenkian.Táxi parado, encostado ao passeio, com o motor desligado. Sim senhora, que estava livre. Entrámos, anunciámos o destino pretendido e aguardámos. Ao fim de um minuto, perguntámos o que se passava afinal, porque não iniciávamos a viagem!

"As senhoras desculpem, mas hoje é o meu primeiro dia, eu estou a ver se descubro aqui no GPS onde fica essa tal de Gulbenkian".
Sendo um jovem simpático e educado, tive " compaixão", ofereci-me para ajudar:
"Ai que alívio! A Senhora sabe onde é? E não se importa de me guiar?"

Trabalhando eu na reabilitação, sendo a minha principal função assistir pessoas na procura de oportunidades de emprego, ajudando-as a vencer os obstáculos que muitas vezes encontram pelo caminho, e estando em Lisboa a assistir a uma conferência exactamente sobre este tema, o que é que me custava fazer mais algum trabalho de campo? Lá fomos nós, divertidas com o jovem taxista, finalmente um taxista simpático e  agradável, cujo único pequeno/grande problema era ter sido contratado para conduzir um táxi velho, com 25 anos de idade, a cair de podre, e cujo principal ponto fraco era ter um desconhecimento total da cidade de Lisboa, agravado pela incapacidade em perceber como funcionava o raio de GPS, que em vez de ajudar só servia para aumentar a sua iliteracia e ansiedade. Divertimo-nos nesta viagem, não tivemos dificuldade com o maldito recibo, recebemos ainda um agradecimento por parte do jovem, que levantou as mãos aos céus por terem aparecidos clientes tão compreensivas e conhecedoras da cidade.

Experiência 4

Rua da Madalena destino Fundação Gulbenkian. Cigarro na boca, sai de má vontade do táxi para abrir a mala do carro. Lá dentro cheiro ao tabaco que acabava de fumar, janelas fechadas, e notícias da TSF, alto e bom som. Lá conseguimos abrir as janelas,respirar mais um pouco do bendito cheiro dos Jacarandás.O primeiro sinal de impaciência surgiu quando o meu telefone tocou e tive que lhe pedir para fazer o favor de baixar o som do rádio. Ao chegar ao destino pergunto quanto devo e enquanto peço o recibo e procuro o dinheiro para pagar, "debito" em automático o número de contribuinte. Cúmulo dos cúmulos! Onde é que já se viu? A primeira coisa a dizer é que se quer um recibo com o número de contribuinte! Toda a gente o sabe, menos eu que incrédula e já irritada com táxis, taxistas e viagens atribuladas, me limitei a repetir o número de contribuinte de forma quase esquizofrénica, até ter a garantia que o mesmo acabaria por ser escrito no maldito papel. Não resisti! Ao sair disse-lhe estar verdadeiramente impressionada com a total ausência de profissionalismo e simpatia dos taxistas de Lisboa. Novo "grunhido" desta vez mais audível, a fazer jus à velha rivalidade entre o norte e o sul: " Pois é, vá lá para o Porto que lá os taxistas são mais simpáticos!"

Experiência 5

Devesas a aguardar a boleia da família. Vejo um jovem cavalheiro a sair de um táxi limpo e arejado, tirar com a ajuda do taxista a mala da bagageira, cumprimentá-lo com um aperto de mão, e prometer que na próxima deslocação ao Porto, espera voltar a encontrá-lo, tão agradável foi a corrida. O taxista responde, amavelmente: " O prazer foi todo meu,muito obrigada e até breve, espero". Palavras para quê? E não se esqueçam que eu não sou suspeita de bairrismo - eu sou Lisboeta.

Depois de tudo isto, resta-me rezar que na minha próxima deslocação a Lisboa, possa utilizar os serviços da UBER. E que os tais senhores da Antral e companhia, continuem a queixar-se de concorrência desleal! Mas que concorrência?  Acaso os serviços prestados são comparáveis?

Não são e ponto.

Dos recursos humanos à comunidade de pessoas.

A crise financeira e económica que abalou o mundo em 2008, apesar de muito dissecada no que respeita aos principais motivos que lhe deram origem, obrigou igualmente a que se tentasse interpretar uma outra crise que lhe estava – e continuar a estar – subjacente: a significativa desvalorização e depreciação das empresas enquanto comunidades de indivíduos que devem perseguir um objectivo comum.

Assente na perigosa perda de um sentimento de pertença e de “cuidado” por algo que deveria ser superior a qualquer interesse individual, e que se foi intensificando devido a décadas de gestão de curto prazo, a “empresa desumana” daria origem a um inflacionamento da importância e poder do CEO reduzindo, por seu turno, os seus demais elementos a meras “mercadorias”, as quais poderiam ser deitadas fora – graças ao sempre explicável downsizing – e/ou facilmente substituídas por outras. Assim, muitos executivos adoptaram o que se transformou num estilo predominante de liderança: do alto das suas torres de marfim, os líderes anunciavam os objectivos que outros deveriam, a todo o custo, alcançar, em vez de a eles se juntarem “no terreno” e, em conjunto, ajudarem a melhorar e a aumentar a performance da empresa. Como referia Henry Mintzeberg, num artigo publicado na Harvard Business Review apenas um ano a seguir ao deflagrar da crise, “os executivos não sabiam o que se passava e os empregados não se preocupavam com o que se estava a passar”. O que acabaria por resultar num gigantesco erro de gestão.

Em graus variados de gravidade, o mesmo erro ocorreu em todo o sector público e privado: a crença de que a liderança era uma actividade separada – e superior – aos actos de gestão mantinha-se bem viva, a qual acabou por isolar os que detinham posições de liderança e, consequentemente, foi destruindo de forma crescente o sentimento de comunidade que deveria pautar a organização.

No entanto, a crise que iria colocar a economia global de joelhos acabou também por dar origem a uma urgência de se redefinir o papel do líder, da empresa, dos seus membros, dos seus direitos e deveres e, em particular, de se encontrar uma nova forma de gestão mais consonante com o bem-estar interno e externo da organização, sem se perder de vista os objectivos “tradicionais” que a definem. Muito já foi escrito e reescrito sobre o tema, mas a verdade é que são ainda muitas as empresas que teimam em desconhecer o valor de um ambiente assente na confiança, numa cultura que seja facilmente identificada e vivida pelas pessoas que nelas trabalham e a ideia de que as organizações funcionam muito melhor – sendo, por isso, muito mais lucrativas – em relações de cooperação que tenham como base o respeito.

Em finais de 2014, e no seguimento de um repto lançado pela ACEGE, Miguel Pina e Cunha, Professor na Nova School of Business and Economics (Nova SBE) e actualmente presidente do conselho científico da mesma, em conjunto com vários seus pares académicos, apresentou um paper que teve como principal objectivo explorar a forma como os líderes interpretavam uma “cultura de amor” nas organizações em que trabalhava. O paper, intitulado, “All You Need Is Love? A Contemporary Organizational Phenomenon”, sobre o qual o VER escreveu, teria como principal conclusão a ideia de que este “amor organizacional” nada mais é do que a prática de um espírito de comunidade no interior das empresas. Este tema será debatido no 6º Congresso da ACEGE, a ter lugar nos dias 5 e 6 de Junho em Lisboa, e o VER apresenta, de seguida, alguma fundamentação teórica, retirada da literatura de gestão, sobre este conceito, adoptado crescentemente por um número significativo de empresas, que encara a organização, e o seu funcionamento, como se o de uma comunidade – unida por interesses comuns – se tratasse. 

Henry Mintzberg e o conceito de communityship

O reconhecido académico, autor e guru da gestão Henry Mintzberg “inaugurou”, em 2006, no Finantial Times, regressndo ao mesmo, em 2009, na Harvard Business Review, um novo conceito – sem tradução literal, na medida em que a palavra é igualmente inexistente na língua inglesa – denominado communityship, o qual abarca as principais características de uma organização que se rege por princípios “comunitários”.

Para o autor de vários best-sellers na área da gestão, sendo o mais recente o livro “Rebalancing Society: Radical Renewal Beyond Left, Right, and Center”, a melhor forma de se (re)construir uma comunidade no interior da empresa é acabar com as práticas que a desumanizam: nomeadamente, tratar os indivíduos como meros recursos humanos, despedindo-os em grande escala quando a empresa não atinge os seus objectivos de performance, mesmo que se mantenha lucrativa; deixar de tolerar os obscenos pacotes de compensações para os seus CEOs (especialmente nos casos em que estes servem como forma de “retenção”, recebendo bónus por fazerem aquilo pelo que são pagos através de um salário); deixar de exibir, e praticar, um desrespeito geral pelo passado da empresa, em particular pelos valores que compõem a sua cultura e, por fim, mas não menos importante, sobrevalorizar o peso e o poder da liderança.

Ou, por outras palavras, a organização tem de abandonar os seus comportamentos individualistas, em conjunto com muitas das suas medidas de curto prazo, a favor de práticas que promovam a confiança, o compromisso e envolvimento de todos os seus “constituintes”, e promovendo a colaboração espontânea que tem como objectivo crucial a sustentabilidade e o respeito para com todos os seus stakeholders.

Mas como transformar uma empresa que se assume como uma colecção de recursos humanos numa organização que funcione como uma comunidade de seres humanos?

A ideia da empresa enquanto comunidade privilegia uma forma mais “modesta” de liderança.

Em primeiro lugar, o conceito de communityship não “aceita” a figura do líder egocêntrico e “heróico”, o qual continua a prevalecer na maioria das organizações. A ideia da empresa enquanto comunidade privilegia uma forma mais modesta de liderança, a qual pode ser caracterizada por um maior envolvimento e por uma gestão “distributiva”. Para Mintzeberg, um líder de uma comunidade desta natureza precisa de estar pessoalmente envolvido com a missão e valores da organização para ser capaz de envolver os demais, no sentido de que cada pessoa pode e deve exercer a “sua parte”. Neste caso em particular, Mintzberg faz uma analogia com o funcionamento de várias operações em open source, como a Wikipedia ou o Linux. Em segundo, e como escreve “uma organização sem uma cultura convincente é como uma pessoa sem personalidade, apenas de carne e osso, mas sem vida ou alma”. Ou seja, uma organização funciona muito melhor se as suas pessoas trabalharem com base em relações de cooperação. Se este relacionamento é destruído, toda a instituição colapsa, o que, como sabemos, continua por demais evidente em muitas empresas da actualidade. No que respeita à liderança, o modelo tem de ser diferente, abandonando a ideia de que o líder tem de estar no topo – e exercer as suas funções deste para as bases -, passando a estar no centro, o que lhe permite “alcançar” mais facilmente todos os que o rodeiam, facilitando a mudança e reconhecendo que uma grande parte desta pode, e deve, ser levada a cabo pelos demais.

Elegendo a denominada “hierarquia aberta”, a qual tem uma ideia muito mais abrangente do que se passa no interior da organização, Mintzberg sublinha ainda a existência de outras vantagens que lhe estão associadas, na medida em que esta se encontra melhor posicionada para estabelecer as ligações necessárias entre as operações e a estratégia. E, para o académico e autor, os gestores intermédios têm um papel de relevo neste tipo de “comunidade”, estabelecendo pontes e levando a cabo mudanças que, por mais pequenas que sejam, quando plantadas por pessoas envolvidas e comprometidas com a missão do todo, dão origem a uma melhor compreensão, tanto das especificidades operacionais, como da “big picture”, contribuindo para alterar, para melhor, a própria estratégia da empresa.

Mintzberg defende assim a existência de pequenas equipas que promovem a mudança, transformando-se de seguida em exemplos a seguir por outros grupos, disseminando desta forma o sentimento de communityship por toda a organização. Este sentimento de compromisso torna-se contagioso quando as pessoas percebem não só os benefícios que o mesmo traz tanto à organização como a si mesmas. E uma organização sabe que a communityship está firmemente enraizada quando os seus membros atingem formas socialmente activas, responsáveis e mutuamente benéficas para a comunidade alargada. Aos empregados de uma empresa que não funciona como uma comunidade não pode ser exigido que se preocupem com quaisquer outras externalidades. Já os membros de uma empresa que possua um sentido forte de comunidade conseguem perceber o quão a sua organização depende de um envolvimento construtivo com as comunidades que a envolvem para atingir um sucesso e performance sustentáveis.

Assim, e como finaliza Mintzberg, o verdadeiro teste que permite a uma empresa definir-se como uma verdadeira comunidade reside na capacidade que as suas pessoas têm de se considerarem cidadãs responsáveis no ambiente que as rodeia e no qual têm um impacto real e positivo. 

Sentimento de pertença e liderança de serviço

Num livro publicado em 2008, intitulado “Community: The Structure of Belonging”, o consultor Peter Block, que trabalha com organizações variadas em prol do desenvolvimento do conceito de “comunidade”, encoraja uma mudança na forma como é costume defini-la e que expressa bem o seu significado no meio empresarial. Na verdade, o ideal de comunidade que pode unir uma empresa nada mais é do que o sempre ambicionado desejo de pertença.

E, de acordo com Block, o primeiro e mais urgente desafio é transformar o sentimento de isolamento, fragmentação e de auto-interesse vigente numa experiência de ligação e interesse pelo “todo”. Para que tal seja uma realidade, cabe aos líderes criarem estruturas que promovam o envolvimento de toda a empresa, criando um contexto que apele a um futuro alternativo que tenha como base a generosidade, a responsabilização e o compromisso, impulsionando um maior diálogo que inclua toda a organização e onde escutar e prestar verdadeira atenção faça parte do “serviço” da liderança.

Tal como Mintzberg, Block é apologista da criação de pequenos grupos, aos quais chama de “unidades de transformação”, que criam inicialmente um ambiente de intimidade nos membros que o compõem, tornando o processo mais pessoal. Ou seja, que forneça a estrutura necessária para as pessoas ultrapassaram o isolamento que sentem e iniciarem o processo de pertença. Existem já várias organizações que estão a adoptar esta estratégia, questionando os seus colaboradores sobre o contributo que gostariam de oferecer para ir ao encontro da missão da empresa e sobre o que gostariam de alterar na sua cultura, por exemplo, aumentando o seu grau de envolvimento e compromisso em prol do seu próprio bem e do bem comum.

O ideal de comunidade que pode unir uma empresa nada mais é do que o sempre ambicionado desejo de pertença.

Adicionalmente e inerente à noção de “comunidade”, existe também a denominada liderança de serviço, ou “guardiã” – no sentido de zelar pelos interesses dos seus membros e não colocar a ambição, os interesses pessoais e os benefícios próprios à frente dos da organização. Esta noção remonta ao período renascentista e, por contraditório que possa parecer, foi o cínico Maquiavel a insistir que a liderança só poderia ser uma “actividade” virtuosa se tivesse como objectivo principal o bem de toda a comunidade. Ou, por outras palavras, um bom líder era o guardião da comunidade, eleito para lutar por ela e servir os seus interesses.

Assim, e no abismo crescente a que assistimos entre o que se pretende e se espera de um líder e o que realmente se recolhe do mesmo, é natural questionarmo-nos se este é o tipo de liderança que melhor serve os interesses de cidadãos, empregados, clientes, comunidade e demais stakeholders.

Para os que advogam que a resposta só pode estar na liderança de serviço, há que ter em atenção que esta não tem a ver com os conceitos tradicionais de posse ou controlo, que não é uma técnica, mas antes uma atitude, uma forma diferente de olhar para o mundo. Não sendo por isso passiva é, ao invés, uma forma de manter a visão e a esperança de acordo com os ideias e sistemas de valores que sustentam a empresa, vivendo-os de forma a servir de exemplo para os demais. Significa também erguer a fasquia para os que são “liderados”, ajudando-os a alcançar o seu maior potencial, capacitá-los e convencê-los que é possível remover os obstáculos que muitas vezes os impedem de ir mais longe. Mas, para que tal aconteça, é necessário que o líder mantenha a noção do “todo”, bem como o rumo. Para benefício de todos.

Helena Oliveira in  Ver - Valores , Ética e Responsabilidade

quinta-feira, 28 de maio de 2015

A máfia do futebol ao mais alto nível



Há muito tempo que a FIFA queria uma maior participação dos EUA no futebol mundial. Pois aqui está o contributo americano para tornar mais transparente aquilo que para muita gente era opaco, e onde se suspeitava de corrupção generalizada, sobretudo após a atribuição do mundial de 2022 ao Qatar.

Ontem de manhã as autoridades suíças prenderam em Zurique seis responsáveis da FIFA para que sejam extraditados para os EUA. Segundo o New York Times, que revelou a notícia, estes altos cargos, são acusados de corrupção. A investigação que durou quatro anos, foi desencadeada a pedido do justiça federal.

O diário americano refere que uma dúzia de polícias se dirigiram ao Hotel Baur au Lac, onde os dirigentes da FIFA estavam reunidos para a sua reunião anual, pediram as chaves na recepção e foram directamente aos quartos proceder às detenções.

As acusações dizem respeito a duas dezenas de anos de corrupção generalizada no seio da FIFA. Segundo o New York Times que detém estas informações, as suspeitas recaem sobre o marketing, sponsoring e os contractos de difusão pela TV.  Os dirigentes em causa, são acusados de fraude, extorsão e branqueamento de dinheiro.

Segundo a justiça federal americana, representantes de meios de comunicação e do marketing desportivo procederam a pagamentos aos altos responsáveis da FIFA e de organizações afiliadas, afim de obter os direitos de media e de sponsoring para as competições organizadas nos EUA e na América do Sul.

Segundo o New York Times os investigadores visam os membros do comité executivo da FIFA “que têm muito poder e fazem os seus negócios em segredo”. A justiça americana quer também deitar a mão a outros dez dirigentes, mas que não se encontravam em Zurique. Entre eles figuram Jeffrey Webb, vice-presidente do comité executivo, Eugénio Figueiredo membro do comité executivo e Jack Warner, antigo membro do comité acusado de múltiplas violações à ética. Palavra que anda arredada deste meio, pelo que se vê, e que não creio ser surpresa para ninguém.

Sepp Blatter não se demite e avança para a sua re-eleição não obstante as vozes que clamam pela sua saída, como hoje a UEFA pela voz do seu presidente, que também acrescentou que a maioria dos Países europeus não votará amanhã em Sepp Blatter para continuar a gerir os destinos do futebol mundial.

Aqui vão os meus agradecimentos à justiça americana.

quarta-feira, 27 de maio de 2015

A magia do Porto

Para que o Porto avive em mim a magia com que me enfeitiçou ao nascer, basta a lembrança de umas quantas ruas e do seu rio. Curiosamente, com as ilusões e os sonhos que se têm na infância e ficam para o resto da vida, o nome de Douro uso-o eu não somente para um, mas para três rios distintos. 

O primeiro conheci-o nas lições de Geografia: nasce na Sierra de Urbión, atravessa a Espanha, onde lhe chamam Duero, atravessa Portugal e desaparece no Atlântico. Abstracto, impessoal, não vive, não corre, é simples linha azul nos mapas.

O segundo Douro é o que se avistava do comboio que nas férias me levava do Porto para a nossa aldeia transmontana. Ao contrário dagora, com as barragens que o acalmaram e puseram quase ao nível dos carris, o rio desse tempo remoinhava furioso por entre cachões. A sua água espumava e, vistos do comboio, os rabelos carregados de pipas de vinho, que atracados aos cais da cidade me impressionavam pelo tamanho, pareciam naves de brinquedo a lutar contra a corrente no fundo das ravinas.

Esse era o rio majestoso, de que se contavam lendas e onde ocorriam tragédias. As suas margens eram uma espectacular paisagem de rochedos, colossais muralhas de xisto, arbustos ressequidos, aldeias nas encostas, vinhedos que se estendiam a perder de vista. Aqui e além uma vela branca, barcos varados nos areais. Gente que parava de trabalhar e acenava alegremente ao comboio. Pássaros em voo lento, desenhado a preto no azul do céu.

No tempo das cheias os rabelos perdiam por vezes o governo e iam despedaçar-se contra os penedos. Depois, inchados e roxos, os cadáveres dos náufragos apareciam defronte do Porto, na Ribeira, parados pela força da maré cheia, ou apertados entre as embarcações.

De todos os três o terceiro Douro é o que me é mais querido. E tão familiar que, com a mesma ingenuidade com que nos apossamos das paisagens da nossa infância, muitas vezes julguei que  fosse só meu.

O meu Douro tem pouco a ver com a linha azul que nos mapas atravessa a Espanha e Portugal, e do segundo Douro somente partilha as águas. No que respeita o comprimento, a esse mal se lhe pode chamar rio: começa junto da ponte do caminho de ferro que Eiffel construiu em 1876, passa sob a ponte de D. Luís I, faz duas curvas preguiçosas, alarga-se um momento e, como que exausto pelos cinco quilómetros que percorreu, entra no mar.

Os anos de menino passaram, a magia ficou. Nesse meu rio só eu os vejo, mas os veleiros de quatro mastros, embandeirados e pintados de branco, estão de novo atracados ao Muro dos Bacalhoeiros, à espera que o bispo os venha abençoar para que o mar da Groenlândia seja calmo e lhes dê boa pesca. Vejo-os quando regressam, sujos, ferrugentos, o velame esgarçado, tão carregados que mal se lhes distingue a linha de água.

Guardo os postais dos anos 30, que mostram o rio atulhado de cargueiros, o fumo branco a escapar-se-lhes das chaminés e dos guindastes, que nesse tempo ainda eram a vapor. Noutros estão as filas de carrejões que faziam a descarga do sal e do carvão. Vão de cesto à cabeça a correr pela prancha que junta o navio ao cais. Vejo a prancha balançar. Oiço os risos e os gritos. Vejo os botes que pescam a meio do rio e os outros que cobram dez tostões pela passagem.

Mas não atravesso ainda, deixo-me ficar em Gaia, no largo onde nasci. Em 1849 vivia aqui Frederick William Flower. Escocês, comerciante de vinhos, fotógrafo pioneiro. Tal como depois a mim, a ele também o panorama deve ter parecido mágico. Provam-no as suas fotografias.

Ajudado por elas viajo no tempo. Passo pelos estaleiros, que depois fariam o encanto da minha infância, e atravesso o rio sobre a ponte pênsil. Desta só restam na margem direita duas das quatro colunas em que a ponte se apoiava. Continuo pela Ribeira, passo pelo baixo-relevo que recorda o desastre da ponte das barcas, em 1809, em que desapareceram no rio milhares de portuenses que fugiam das tropas de Napoleão.

Ali ao lado faço uma reverência à placa do "Duque". Quem não sabe, estranhará, e é preciso explicar. Como toda a gente, também eu conheci o "Duque", que morreu quase centenário em 1997. Lá está lá a placa para recordação. Diocleciano Monteiro. Cauteleiro, barqueiro, por alcunha o Duque, devido à nobreza do seu porte. A fama veio-lhe aos onze anos, quando se atirou ao rio para salvar um infeliz que se afogava. E como se o destino o tivesse marcado, ficou salvador de vidas e “pescador” de afogados e suicídas para o resto da vida. Centenas deles, dizem. “Houve um ano em que se atiraram doze da ponte abaixo.”

Logo detrás da Ribeira, e subindo pela encosta até à Sé, fica o emaranhado de ruas e vielas que em tempos imemoriais foram as primeiras da cidade. Sombrias, estreitas, misteriosas. Com uma vida pública que sofre a luz do dia, e outra secreta, nocturna, de vultos fugidíos. Aí ficavam o Royal e o Guarany, os cafés onde me tornei homem, com o primeiro cigarro, a primeira cerveja, o primeiro susto, que nesse tempo se exorcizava com orações e permanganato.

Pela Rua dos Pelames desce-se para o centro e para a estação, que primeiro foi convento. Para mim lugar magnético. Encarcerado atrás de grades invisíveis, tantas vezes lá sonhei viagens que, finalmente, numa noite má de Inverno, o destino compadecido abriu a prisão e deixou que eu tomasse o comboio que dali me levaria para Paris e para o mundo.

Entro lá agora com o sentimento de quem penetra numa igreja. Os painéis de azulejo que revestem as paredes até ao tecto devolvem-me aos anos de menino. Vejo-me a caminhar para o comboio atrás de meus pais. O bagageiro empurra as nossas malas para dentro do compartimento. A máquina apita.

Volto a mim e desço para a Rua das Flores. Durante três séculos foi a grande rua da cidade. Moravam nela os ricos, era ponto de passagem obrigatório para as procissões. Desfilavam nela também os condenados que iam para as forcas à beira-rio. Mas por volta dos anos 50 começou a definhar. Das ourivesarias, de que recordo mais de vinte, resta uma na primeira travessa.

Meto para o Largo dos Lóios e em vão procuro as livrarias que fizeram o encanto dos meus tempos de estudante. Desapareceram todas. Em vez delas estão lá agora sapatarias e lojas de electrodomésticos, lojas de artigos em segunda mão. Nalgumas portas, comerciantes indianos tristonhos, as suas bocas marcadas por aquele ríctus que involuntariamente leva a pensar em Naipaul.

Rua dos Caldeireiros. Um dia que lhe propus irmos jantar à Adega de Vila Meã, no nr. 62, um amigo encarou-me incrédulo e horrorizado. Provavelmente porque vivia longe, eu não me dava conta de como na cidade tudo tinha mudado. Gente de juízo nem mesmo de dia se arriscava a passar por aqueles lados. Querer ir lá de noite? Fora de questão. E contando pelos dedos: ele eram os drogados, os carteiristas, a juventude desencaminhada, os chulos, os bêbedos, os mendigos…

Fomos comer a outro lado, mas não lhe posso dar razão. A Rua dos Caldeireiros, como as todas as que sobem para a Torre dos Clérigos e a universidade, são íngremes, estreitas e modestas. A uns parecerão perigosas. Outros, como eu, acham romântica aquela escassez de luz, que de dia as transforma em vielas de souk e de noite - os lampiões são poucos, fracos e espaçados - as devolve ao tempo antigo.

Para mim é obrigatório: acabada de subir a Rua dos Caldeireiros dou a volta à torre que Nicola Nasoni construiu entre 1732 e 1763 e onde, orgulhoso da sua obra-prima, pediu que o enterrassem.

Caminho depois em volta do edifício quadrangular e severo da universidade. Regresso pela Rua das Carmelitas. Paro junto da escadaria da igreja e sorrio à lembrança do que me faz deter ali, a do dia em que escapei à morte.
A rua desce com uma inclinação invulgar e, talvez por ser perigosa, deixaram de passar nela os eléctricos que nos traziam do liceu. Nesse tempo tínhamos quatorze, quinze anos e, para desespero do revisor, mal o eléctrico na descida ganhava velocidade saltávamos dele para o passeio como em voo. Era arriscado, dava cachet, as raparigas gostavam de ver e batiam palmas.

Dessa vez era eu o último e o revisor, irritado, tinha-me de olho, não se deixava iludir com a indiferença do meu modo. Ao ver-me pronto a saltar agarrou-me com força pelo braço, eu puxei com força maior, desprendi-me, escapei-lhe. Mas em vez do elegante voo que tinha preparado rodopiei pelo ar. Vi a rua e as pessoas de cabeça para baixo, ouvi gritos, o chiar dos travões dos carros, e aterrando sobre a barriga deslisei do passeio para dentro da farmácia Vitália – hoje ainda no mesmo lugar, no número trinta e quatro da Praça da Liberdade. Grande sorte a minha, porque  era dia de grande calor e as portas estavam abertas de par em par, caso contrário teria esfacelado os miolos contra elas e não estaria agora a recordar o caso.

Atravesso o centro e vou de remanso até à Alameda das Fontainhas. Por toda a parte cartazes a anunciar festividades. Mas o Porto cosmopolita, metrópole do futuro, ajusta-se mal ao meu Porto que, mais do que realidades, é feito de memórias e sonhos, de miragens, de ilusões que o tempo não mata.

Debruçado no muro da alameda enfrento o meu Douro e as duas pontes de ferro. Ignoro as outras, elegantes, feitas de betão. Reponho no  lugar donde desapareceram, as escadas que nos Guindais iam da rua para o rio e serviam de atraque aos rabelos. Em vez de pipas de vinho, no mês de Junho vinham carregados de borregos, que eram mortos mesmo ali e se comiam na véspera de São João.

E de súbito faz-se escuro, há um mar de gente à minha volta, foguetes rebentam em milhares de estrelas coloridas. A aragem morna traz fragmentos das marchas que as bandas de música tocam pelas ruas. Há gente a dançar. Para o céu sobem  grandes balões de papel de seda, com mechas que os enchem de ar quente e lhes avivam o colorido.

Se a vida não obrigasse, nunca eu quereria acordar dos sonhos que a magia do Porto aviva em mim.

J. Rentes de Carvalho
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(*) Publicado originalmente em versão neerlandesa, no magazine do jornal Algemeen Dagblad  - Rotterdam, 05.03.2001.

terça-feira, 26 de maio de 2015

The essentials


A questão das pensões

O governo da república quer cortar nas pensões em pagamento 600 milhões de euros, não especificando a unidade de tempo. Deduzo ser um valor anual a reduzir ao actual montante de pensões a pagar.

Como tem sido prática corrente com este governo, não se explica como se chega aquele valor nem como vai ser aplicado. Sobre este último aspecto, a ministra das finanças diz que o corte não abrangerá as pensões mais baixas. E ficamos por aqui enquanto a informação sobre este tema, não existindo, mais uma vez, nenhum estudo ou projecto de reformulação do sistema.

O maior partido de oposição, no seu programa de governo, recentemente apresentado, pretende baixar as contribuições pagas pelos trabalhadores e pelas empresas para a segurança social. Para compensar esta diminuição de colecta para o sistema, aposta no crescimento económico gerador de emprego que leva mais pessoas a contribuir e menos a pagar de subsídio de desemprego. Avança também com mais fontes de receita pelo imposto sucessório a partir de um milhão de euros, bem como mais colecta para as empresas que tenham maior rotatividade de pessoal. Estas medidas também não constituem um projecto de reformulação sustentável do sistema, e a sua eficácia é muito duvidosa.

O modelo português de segurança social assenta num contracto entre gerações de que o estado é depositário. Há um conjunto de contribuições seja dos trabalhadores seja das entidades empregadoras através da Taxa Social Única (TSU), e algumas transferências do orçamento do estado que constituem a capacidade do estado pagar as pensões das pessoas que se vão reformando. Isto assenta num contracto que é estabelecido entre cada trabalhador e o estado, de acordo com a sua carreira contributiva, através da segurança social, contracto esse que determina o benefício a que pode aspirar.

Há dois valores essenciais no sistema de segurança social, que são a estabilidade e previsibilidade. Ora tudo o que tem sido feito no domínio das pensões nestes últimos anos contraria estes dois pilares do sistema.

Mexer nas pensões atribuídas é atentar contra estes dois princípios, já que são eles que sustentam a confiança das pessoas no sistema. Assim, dado ter havido uma quebra de confiança neste contracto, o Tribunal Constitucional chumbou cortes definitivos. 

Torna-se necessário chamar a atenção que a grande maioria dos pensionistas não têm capacidade de reconstituir as suas fontes de rendimento, e uma das razões essenciais para a existência de qualquer sistema de pensões é assegurar que quando saímos do mercado de trabalho isso não signifique uma perda dramática de rendimentos que nos pode conduzir a uma situação de pobreza. 

Mesmos nos sistemas privados, se eu contratar uma renda vitalícia com um fundo de pensões que possa gerir as minhas contribuições, aquela renda nunca será alterada por nenhum motivo. Estamos, a querer fazer aquilo que é uma responsabilidade pública uma coisa que nem os regimes privados fazem. 

Temos tendência a reduzir a questão da sustentabilidade à sua dimensão financeira, que é naturalmente essencial, e que não se questiona de forma nenhuma, mas os sistemas de pensões são sistemas de sustentabilidade da própria forma como nós nos organizamos colectivamente, na  estabilidade e coesão das sociedades.

Os sistema de pensões não são uma questão financeira com repercussões sociais, são sim uma questão social com repercussões financeiras, e ninguém questiona a necessidade de se pensar, de re-pensar e reflectir profundamente sobre soluções novas para o sistema de segurança social, que permitam acautelar quer as alterações demográficas quer as alterações na composição do emprego e da própria dimensão das massas salariais.

Há dias Bagão Félix chamava a atenção para a evolução dos salários desde 25 de Abril de 1974, e verifica-se uma descida constante dos salários e por consequência das contribuições para o sistema.

Hoje os jovens têm salários muito baixos e previsivelmente vão ter carreiras contributivas assentes em salários baixos. Isto significa não apenas que a sustentabilidade da segurança social está em causa, mas também uma diminuição das pensões a que podem aspirar. 

A sustentabilidade do sistema não se garante através dos cortes das pensões que estão atribuídas, garante-se com acções de outro tipo que assegurem receitas suficientes para o sistema para que possa cumprir com as suas obrigações.

Há coisas intocáveis e as pensões é uma delas. Em nenhum sítio no mundo civilizado, a não ser nestes últimos anos por força destas intervenções austeritárias nos vários países da CE, houve situações em que tenha havido redução de pensões, não obstante os automatismos presentes de alguns sistemas, como é o caso da Suécia, em que as pensões são automaticamente ajustadas para baixo e para cima de acordo com um conjunto de indicadores, em particular o crescimento da economia e do PIB. 

Em Espanha há muitos anos que as reformas têm um plafond, mas também as contribuições dos trabalhadores são cerca de metade do que em Portugal, o que lhes dá a possibilidade de constituírem planos de poupança reforma com mais facilidade do que no nosso país, já que ao pagarem menos contribuição lhe resta mais dinheiro disponível.

Criou-se a ideia das chamadas pensões milionárias, mas nós temos dois milhões de pensionistas de velhice no sistema de segurança social, para falar apenas da velhice, deixando de lado as pensões de invalidez e de sobrevivência que ainda são em número relativamente elevado, e deste número só trezentos mil têm pensões acima de quinhentos euros. Estamos portanto a falar de um universo em que a esmagadora maioria dos nossos pensionistas têm pensões baixas, fruto de carreiras contributivas nuns casos curtas, noutras de salários baixos.

Fico à espero de um de um verdadeiro estudo ou plano para a sustentabilidade da segurança social que contemple a riqueza gerada no país e a evolução demográfica.

segunda-feira, 25 de maio de 2015

New ways of thinking - Not to be underestimated

You're in the supermarket. You have an 8.99€ bottle of wine and a 6.20€ chicken meal in your basket and are working out if you can add the 4.70€ dessert without going over 20€. You do the sum in your head and then walk to the shortest check-out queue. This scenario requires the solution of two maths problems. The first is the sum 8.99+6.20+4.70 euros and the second is the judgement of which line has the fewest people in it. One involves the addition of Arabic numerals and the other the rapid estimation of ratios (you don't count everyone in every line).

We tend to see the first type of calculation as more important than the second. That's why the maths we learn at school begins with learning numbers and arithmetic. Yet research in psychology shows the second type of calculation is, in the fact, the crucial indicator of mathematical ability. 

The big new ideia in maths education is that young children should spend time improving their estimations skills before learning how to count with exact numbers. The theory emerged from Johns Hopkins University in the US, which conducted experiments in which children were shown sets of dots. Some dots were blue and some were yellow - each child needed to say whether there more blue or more yellow dots. Children who scored highest at the dot task also performed best at standardised maths tests.

This was surprising. Maths is a system of manipulation abstract symbols that has taken humans thousands of years to develop. On the other hand, estimating ratios involves what academics call our inner "number sense", a deep-rooted ability to compare quantities which is also present in other animal species.

The realisation that the best indicator of success in the abstract world of maths is our inner, animal number sense ran counter to prevailing opinion in mathematical psychology.

Alex Bellos, Mathematician 

Further thinking: Educationalists are wondering whether maths teaching needs to be completely reinvented.

How an Amateur Built the World's Biggest Dome


domingo, 24 de maio de 2015

"O reino dos telemóveis e a economia"

Um dos meus irmãos (somos cinco) é astrólogo. Enverga a carteira profissional com denodo e algum desconforto há algumas décadas, provando a qualidade das palavras de Churchill, para quem a política era a arte de fazer previsões sobre “os próximos anos” e de passar “os próximos anos” a explicar por que razão as coisas não se passaram como estava previsto. O leitor já adivinhou que, por detrás do tom jocoso da primeira frase se esconde outra profissão, afinal, não menos desconfortável – a de economista.

Raul foi um dos mais virtuosos navegadores dos últimos oito quilómetros do rio Minho, tanto como um excelente herdeiro da ciência praticada durante uma vida inteira pelo nosso avô, administrador de quintas do Douro. Parte da família (onde eu me encontrava) seguiu os passos do velho Doutor Homem, meu pai, escolhendo o pachorrento caminho do Direito; outra, aconselhada pelo ruído do tempo, preferiu o ramo da administração, um pouco à maneira da última geração dos “bons homens do Porto”. Neste particular, conheço dois exemplos: o meu avô foi contemporâneo de José Domingues dos Santos e, embora estivessem em trincheiras desavindas durante a Monarquia do Norte, partilharam afazeres no Instituto Superior do Comércio no Porto – Domingues dos Santos foi um extremista da República que passou pelo exílio depois da revolução de Braga; o meu avô quedou-se pela prática da epistolografia com ingleses do vinho do Douro, a acrescentar a devaneios peripatéticos com Guerra Junqueiro nos limites de Barca d’Alva e no horizonte da Quinta da Batoca, diante dos colossos da serra do Roboredo.

No fim de semana passado, o meu irmão Raul citou um número qualquer relacionado com o decréscimo na venda de telemóveis. Isso preocupava-o já não sei a que propósito (os economistas preocupam-se até ao fim da vida); ripostei que todos os portugueses, pelo menos, já tinham telemóveis e que não podiam estar, permanentemente, a trocar de aparelho. Dona Elaine conserva um telefone que atroa os ares; eu possuo, por desfastio, um que me permite receber telefonemas e não ler mensagens; apenas os meus sobrinhos mudam periodicamente de telemóvel, procurando estar a par daquilo que suponho serem “inovações tecnológicas”. O meu irmão achava a notícia um sinal da crise – eu pensei nela como o indício de algum juízo. Mas estávamos em lugares opostos. Eu acredito que não se pode mudar de carro, de telemóvel e de máquina de aparar a relva todos os anos; ele acredita que o progresso da humanidade segue na direcção do infinito. E nisto estamos.


António Sousa Homem - 20.5.2012

sexta-feira, 22 de maio de 2015

Moda Responsável II - Tecidos a partir da compostagem


É inquestionável que a indústria téxtil tem um efeito massivo no nosso planeta, muito dele negativo. Desde os direitos dos trabalhadores, fábricas sem as mínimas condições a pesticidas utilizados nas plantações de algodão, os impactos sociais e ambientais são evidentes através de toda a supply chain. Os esforços iniciados como o Better Cotton Initiative começaram a fazer a diferença, mas a indústria tem ainda tem um longo caminho a percorrer. 

Para empresa Suíça, Freitag, porém, não é só uma questão de transformar a manufactura dos tecidos, mas também mudar a forma como eles são descartados - utilizando a compostagem.

Fundada por dois irmãos, Freitag estão neste negócio desde 1993 e empregam cerca de 160 pessoas. A empresa possuiu 10 lojas na Europa central e Japão, e mais de 50 produtos no mercado. Também transforma a lona de camiões em sacos ou mochilas.  A empresa produz, segundo ela, tecidos 100% obtidos por compostagem.

O segredo está na mistura: linho, cânhamo e modal (fibra), que é obtido da celulose a partir de árvores de faia. Este tecido, ou o que Freitag chama F-Fabric, levou cerca de cinco anos a desenvolver. As matérias-primas são todas provenientes da Europa, reduzindo assim as importações a longas distâncias. O algodão é uma fibra natural, mas a Freitag evita-o por várias razões: ele tem que ser importado pois o clima da Europa é muito frio para a cultura do algodão, requer muita água, precisa de uma grande quantidade de espaço, consome montes de pesticidas e, finalmente, a empresa estima que 100 milhões de agricultores de algodão em todo o mundo vivem abaixo do nível de pobreza a trabalhar em condições terríveis. Em vez disso, o linho é proveniente de Normandia, o cânhamo é resiliente em quase todos os climas e a faia auto propaga-se, não sendo necessário um regime de plantio. Não só o tecido é sustentável, mas Freitag descreve-o como verdadeiramente local.

O resultado são tecidos e peças de vestuário que são também biodegradáveis e compostáveis completamente. A única exceção são os botões que sendo de metal apenas precisam ser removidos, ou, na verdade, desenroscados, antes das peças de vestuário serem lançadas para uma pilha de compostagem-e, claro, esses botões podem ser reutilizados. O material é tecido numa sarja quebrada, jérsei, ou espinha de peixe, e também em várias cores. Uma exceção, porém, é o indigo: Freitag encontrou fibras de cânhamo e linho ficam enfraquecidas e rasgadas após o processo de tingimento.

Um dos resultados obtidos são as calças de trabalho chino da Freitag, feitas a partir de tecido de sarja compostável que segundo a empresa é repelente à humidade, antibacteriano e suficientemente robustas para qualquer ambiente de trabalho. Um par destas calças custa actualmente 190 €. Mas a Freitag pode obter economias de escala se mais empresas desenvolverem alternativas mais sustentáveis, para o algodão e materiais sintéticos no mercado, estes tecidos poderiam, eventualmente, tornar o preço competitivo. 

Entre as condições de trabalho em alguns países e a questão da grande industria da moda ser realmente responsável e ética, olhe-se para empresas como a Freitag com mais atenção nos próximos anos.