quarta-feira, 27 de abril de 2016

Uma empresa tem que estar (bem) preparada para um caso destes.




A Nestlé tem sido um líder no movimento “shared value” - num esforço para mostrar que as empresas podem fazer o bem no mundo, assim como elas fazem para os seus acionistas. A companhia rebatizou-se de uma empresa de alimentos em “a companhia líder no mundo na nutrição, saúde e bem estar.”

Mas essa imagem corporativa cuidadosamente cultivada ao longo do tempo levou um terrível revés  no ano passado, quando o governo indiano revelou que tinha encontrado chumbo no popular macarrão da marca Maggi. O produto foi retirado das prateleiras, e a crise custou à empresa cerca de 500 milhões de euros, com um dano à marca, que poderá durar anos.

Nesta história, não está ainda resolvido o enigma fundamental: como é que 30 testes do governo indiano detectaram chumbo no macarrão da Nestlé, enquanto os testes repetidos da empresa não encontraram nenhum. Este episódio pode documentar algumas lições importantes aprendidas ao longo do caminho. O que deu errado? O incidente pode ser recomendado como um case study, sobre como uma crise pode bater à porta de uma empresa quando ela menos espera, e ter profundas implicações no seu negócio .

“This is a case where you can be right and yet be so wrong,”  Disse Paul Bulcke  CEO da Nestlé, e antigo Director Geral da Nestlé Portugal no final dos anos 90. “We were right on the factual arguments and yet so wrong in the arguing. “ No é It’s not a matter of being right. It's a matter of engaging the right way and finding a solution… We live in an ambiguous world. We have to be able to cope with that”

terça-feira, 26 de abril de 2016

O referendo do próximo dia 23 de Junho. Os mais e menos de um Brexit - IV


Uma das questões mais abordadas pela campanha do Out, é a da regulamentação. A campanha do Brexit  alega que a burocracia da UE atrapalha as empresas e estrangula o crescimento económico da Grã-Bretanha. No entanto, estudos da OCDE, põem em evidência que, apesar de estar na UE, os mercados de produtos e do trabalho da Grã-Bretanha estão entre os menos regulados.

Por outro lado a política de imigração, certamente mudará no pós-Brexit. Na verdade, os que defendem o Brexit fazem campanha para restaurar o controlo britânico das fronteiras, parando a livre circulação de pessoas. Vai ser difícil fazer isto e manter o pleno acesso ao mercado único da UE. Em simultâneo  pode também comprometer a situação dos dois milhões cidadãos britânicos que vivem noutros países da UE. Mas a questão essencial é a de que o travão à imigração provocará um dano à economia.  Segundo o Financial Times existem estudos, que demonstram que os imigrantes são contribuintes líquidos para a economia porque eles pagam muito mais impostos do que recebem em benefícios.

Brexit também terá implicações para a sobrevivência do Reino Unido. O Partido Nacional Escocês está em campanha pelo In. Se o lado de Out vencer, graças aos votos Ingleses, o que é bastante possível, o SNP vai exigir um novo referendo sobre a independência, e espera ganhar. A Irlanda do Norte também está preocupada com Brexit: As relações económicas, comerciais e políticas entre a Grã-Bretanha e a Irlanda dependem fortemente do facto de ambas pertencerem à UE. 

quarta-feira, 20 de abril de 2016

O referendo do próximo dia 23 de Junho. Os mais e menos de um Brexit - III



Os que defendem o Brexit utilizam três argumentos. 

O primeiro argumento e verdadeiro  é afirmar que ambos os lados têm um forte interesse num acordo de livre comércio. No entanto este acordo pode não  ser extensivo aos serviços. Já se falou de um plano B com a deslocalização da Banca para a Irlanda. 

O segundo é a alegação de que, porque o Reino Unido tem um grande déficit comercial com outros países da UE, eles precisam mais do mercado britânico do que a Grã-Bretanha precisa do deles. Este argumento pode ser facilmente contraditado já que a Grã-Bretanha é responsável por apenas 10% das exportações da UE, enquanto a UE representa quase metade da Grã-Bretanha. Acresce, que a maior parte do déficit comercial britânico com a UE é, com apenas dois países, Alemanha e Espanha, e um acordo comercial deverá também ter o visto dos outros 25 membros também.

O terceiro argumento é que um pós-Brexit a Grã-Bretanha poderia estabelecer novos acordos de livre comércio com rapidez No entanto, o The Economist tem dúvidas que assim seja. Negociadores difíceis como os sul-coreanos não são susceptíveis de oferecer à Grã-Bretanha as mesmas condições que deram à UE. Estados Unidos, China e Índia deixaram claro que estariam mais interessados num acordo com a UE de que um isolado com a Grã-Bretanha. Quando se trata de abrir a China para o comércio, diz o The Economist, a influência de negociação do maior mercado do mundo supera de longe a Grã-Bretanha sozinha.

segunda-feira, 18 de abril de 2016

O referendo do próximo dia 23 de Junho. Os mais e menos de um Brexit - II




A questão mais complicada para um pós-Brexit na Grã-Bretanha será a de manter o pleno acesso ao mercado único da UE, o maior do mundo. Isto é crucial, já que quase metade das exportações da Grã-Bretanha vão para o resto da UE. 

A Noruega e a Islândia têm acesso ao mercado único devido à sua participação no Espaço Económico Europeu (EEE). Mas são obrigados a respeitar todas as normas do mercado único da UE sem ter uma palavra a dizer, a fazer pagamentos para o orçamento da UE (no caso da Noruega, cerca de 90% do pagamento líquido da Grã-Bretanha per capita) e aceitar a livre circulação dos migrantes da UE.

Suíça, que não é do EEE, negociou acordos bilaterais que lhe dão acesso a bens, mas não à maioria dos serviços. Tem de seguir a maioria das regras do mercado único, contribuir para o orçamento e aceitar a livre circulação de pessoas. Os suíços foram já avisados que, se tentarem implementar a decisão do referendo de 2014 com limites à última, o seu acordo comercial com a UE é anulado.

Países como a Coreia do Sul e, agora, o Canadá, têm acordos de livre comércio com a UE, que não exigem a observação todas as suas regras, como contribuir para o orçamento ou aceitar migrantes. Mas tais acordos não significam barreiras não-tarifárias, nem cobrirem os serviços financeiros. Além disso, a UE tem ou está a negociar acordos de livre comércio com os EUA, China e Índia, nos quais a Grã-Bretanha pós-Brexit não está contemplada. A UE tem 53 acordos deste tipo. A Grã-Bretanha teria de tentar reproduzi-los, o que seria um grande desafio dado o intervalo de tempo entre a assinatura dos acordos e a sua entrada em vigor. 

domingo, 17 de abril de 2016

Receita de Mulher



RECEITA DE MULHER

Rio de Janeiro , 1959 

As muito feias que me perdoem 
Mas beleza é fundamental. É preciso 
Que haja qualquer coisa de flor em tudo isso 
Qualquer coisa de dança, qualquer coisa de haute couture 
Em tudo isso (ou então 
Que a mulher se socialize elegantemente em azul, como na República Popular Chinesa). 
Não há meio-termo possível. É preciso 
Que tudo isso seja belo. É preciso que súbito 
Tenha-se a impressão de ver uma garça apenas pousada e que um rosto 
Adquira de vez em quando essa cor só encontrável no terceiro minuto da aurora. 
É preciso que tudo isso seja sem ser, mas que se reflita e desabroche 
No olhar dos homens. É preciso, é absolutamente preciso 
Que seja tudo belo e inesperado. É preciso que umas pálpebras cerradas 
Lembrem um verso de Éluard e que se acaricie nuns braços 
Alguma coisa além da carne: que se os toque 
Como o âmbar de uma tarde. Ah, deixai-me dizer-vos 
Que é preciso que a mulher que ali está como a corola ante o pássaro 
Seja bela ou tenha pelo menos um rosto que lembre um templo e 
Seja leve como um resto de nuvem: mas que seja uma nuvem 
Com olhos e nádegas. Nádegas é importantíssimo. Olhos, então 
Nem se fala, que olhem com certa maldade inocente. Uma boca 
Fresca (nunca úmida!) é também de extrema pertinência. 
É preciso que as extremidades sejam magras; que uns ossos 
Despontem, sobretudo a rótula no cruzar as pernas, e as pontas pélvicas 
No enlaçar de uma cintura semovente. 
Gravíssimo é porém o problema das saboneteiras: uma mulher sem saboneteiras 
É como um rio sem pontes. Indispensável 
Que haja uma hipótese de barriguinha, e em seguida 
A mulher se alteia em cálice, e que seus seios 
Sejam uma expressão greco-romana, mais que gótica ou barroca 
E possam iluminar o escuro com uma capacidade mínima de cinco velas. 
Sobremodo pertinaz é estarem a caveira e a coluna vertebal 
Levemente à mostra; e que exista um grande latifúndio dorsal! 
Os membros que terminem como hastes, mas bem haja um certo volume de coxas 
E que elas sejam lisas, lisas como a pétala e cobertas de suavíssima penugem 
No entanto sensível à carícia em sentido contrário. 
É aconselhável na axila uma doce relva com aroma próprio 
Apenas sensível (um mínimo de produtos farmacêuticos!) 
Preferíveis sem dúvida os pescoços longos 
De forma que a cabeça dê por vezes a impressão 
De nada ter a ver com o corpo, e a mulher não lembre 
Flores sem mistério. Pés e mãos devem conter elementos góticos 
Discretos. A pele deve ser fresca nas mãos, nos braços, no dorso e na face 
Mas que as concavidades e reentrâncias tenham uma temperatura nunca inferior 
A 37º centígrados, podendo eventualmente provocar queimaduras 
Do primeiro grau. Os olhos, que sejam de preferência grandes 
E de rotação pelo menos tão lenta quanto a da terra; e 
Que se coloquem sempre para lá de um invisível muro de paixão 
Que é preciso ultrapassar. Que a mulher seja em princípio alta 
Ou, caso baixa, que tenha a atitude mental dos altos píncaros. 
Ah, que a mulher dê sempre a impressão de que se se fechar os olhos 
Ao abri-los ela não mais estará presente 
Com seu sorriso e suas tramas. Que ela surja, não venha; parta, não vá 
E que possua uma certa capacidade de emudecer subitamente e nos fazer beber 
O fel da dúvida. Oh, sobretudo 
Que ela não perca nunca, não importa em que mundo 
Não importa em que circunstâncias, a sua infinita volubilidade 
De pássaro; e que acariciada no fundo de si mesma 
Transforme-se em fera sem perder sua graça de ave; e que exale sempre 
O impossível perfume; e destile sempre 
O embriagante mel; e cante sempre o inaudível canto 
Da sua combustão; e não deixe de ser nunca a eterna dançarina 
Do efêmero; e em sua incalculável imperfeição 
Constitua a coisa mais bela e mais perfeita de toda a criação inumerável.

quinta-feira, 14 de abril de 2016

O referendo do próximo dia 23 de Junho. Os mais e menos de um Brexit - I


Aproxima-se o dia 23 de Junho, data escolhida para o referendo sobre a permanência da Grã-Bretanha na União Europeia (EU). Ele será o mais importante na Europa nos últimos anos e pode ser decisivo para o futuro do Reino Unido, uma vez que os nacionalistas escoceses já anunciaram que um Brexit levaria a nova votação sobre a independência da Escócia. Por outro lado a saída de um dos peso pesados, teria um enorme impacto sobre o futuro da UE.

O referendo decidirá sobre a questão de saber se os eleitores acreditam que a Grã-Bretanha fica em melhor situação dentro ou fora da UE.

As sondagens de opinião sugerem que o resultado do referendo será de metade a favor e metade contra. Quando David Cameron prometeu, em Janeiro de 2013, um referendo in / out, houve, de início, uma vantagem clara do out. No entanto, desde aquela data até hoje, o sentido de voto alterou-se, e actualmente as sondagens mostram um empate, com 50% a votarem out e os restantes 50 a votarem in.

No mundo dos negócios, e à medida que a data se aproxima os mercados financeiros acordaram para o perigo crescente de Brexit, veja-se a evolução da libra face ao dólar, com aquela a atingir o seu nível mais baixo em relação ao dólar em oito anos, se este facto pode ser indicador deste receio Patrões e CEO’s  das maiores empresas na Grã-Bretanha têm defendido de uma maneira muito clara a permanência. No entanto, as chances de que se verifique o Brexit são agora maiores do que em qualquer momento nos últimos cinco anos. Vale a pena avaliar as eventuais implicações da saída da Grã Bretanha da EU, bem como as promessas daquele que defendem a sua saída, segundo o Financial Times bem como The Economist.

O mérito das alegações dos que quer o out, são difíceis de julgar, porque ninguém pode ter certeza de que tipo de relacionamento teria uma Grã-Bretanha dividida com a UE. Não existe precedente para além de Gronelândia. Ele deixou o clube em 1985, mas é pequena e continua a ser uma dependência da Dinamarca, que ainda está na UE. 

Relembra o The Economist que um voto para Brexit desencadeará um pedido de retirada ao abrigo do artigo 50 do Tratado de Lisboa.

O artigo 50 prevê que a UE irá negociar com o país que pretende sair, durante um máximo de dois anos, um novo acordo. Este prazo pode ser estendido, mas apenas por decisão unânime. O artigo também especifica que, ao aceitar um novo acordo, a UE age sem o envolvimento do país que está a sair. Imagine-se um divórcio exigido  unilateralmente por um parceiro, cujos termos são fixados unilateralmente pelo outro. É um processo que é susceptível de não ser muito favorável à a Grã-Bretanha.

Na verdade, trata-se de um incentivo para outros países da UE actuem sem generosidade. A decisão de sair será vista por muitos, como um acto hostil e desestabilizador para uma união que já está tem problemas que cheguem.

quarta-feira, 13 de abril de 2016

Too big to jail!


Ainda na ressaca da crise financeira de 2008, os valores das multas  que estão a ser aplicadas nos EUA às grandes instituições financeiras atingem já um quarto do nosso PIB.

Goldman Sachs concordou ontem em pagar 5,1 mil milhões de dólares admitindo uma “ séria má conduta” (“serious misconduct”) no tratamento de mortgage-backed securities (títulos lastreados por hipotecas) produto inexistente em Portugal, defraudando os investidores. No entanto, a Goldman Sachs, receberá benefícios fiscais que reduzem o pagamento ao tesouro americano para cerca de 4 mil milhões de euros, segundo o New York Times de ontem. É no entanto dinheiro real, que soma aos 13 mil milhões da J.P. Morgan Chase, 16 mil milhões do Bank of America, 7 mil milhões do Citigroup e 3,2 mil milhões do Morgan Stanley.

Não obstante as primárias ocuparam grande parte do tempo nos media, este tema está a provocar a ira dos americanos. Estes querem saber qual a razão pela qual as pessoas que geriram ou, gerem, estes grandes bancos não estão na cadeia. Tornou-se um dos temas mais populares na vida pública americana: Os grandes bancos fizeram explodir a economia global, mas ninguém foi para a cadeia.

Então, porque é que os banqueiros de topo não foram parar à cadeia? Não é certamente por falta de procuradores federais e estaduais, ansiosos por se promoverem colocando-os entre grades. Também não é pela eventual manipulação do sistema de justiça criminal, ou porque os banqueiros de topo são de alguma forma “Too big to jail."

Não. A verdadeira razão para estes banqueiros não estarem na cadeia é porque - preparem-se - não cometeram crimes. Eles podem ter sido culpados por ganância, negligência, falta de visão, falta de supervisão, comportamento de manada, cegueira voluntária e até mesmo a estupidez. Mas não há nenhuma evidência de que eles conscientemente se tenham envolvido em atividades fraudulentas.

Isto é uma resposta nada satisfatória. A multidão quer um linchamento. Mas, com o actual quadro legal nos EUA, parece que vão ter que se contentar com um “meros” 44 mil milhões de euros!

Por cá houve banqueiros que foram presos e libertados, pagaram fianças, e aí estão fazendo a sua vidinha sem contratempos de maior, e nós vamos ter que pagar os seus desmandos. 

segunda-feira, 4 de abril de 2016

"Poupanças" no Panamá e a entrevista de D.Trump ao Washington Post

Se usou a firma de advogados Cossack Fonseca (se calhar ainda é meu parente...) no Panamá, para esconder as suas "economias", está com um problema nas mãos. Parece que 11 milhões de documentos daquela firma estão nas mãos de jornalistas de todo mundo. A escala desta fuga de informação não tem precedentes, mesmo comparando com o Wikileaks.

A primeira ronda da cobertura dos media está a concentrar-se nos políticos que transferiram dinheiro dos seus países - incluíndo cerca de 2 mil milhões de dólares de colaboradores muito próximos de Vladimir Putin.

Esta orgia jornalística é provável que dure meses e que arraste na sua esteira grandes companhias e bancos.  É um pouco cedo para prever, mas acho que este escândalo pode dar um grande impulso para uma reforma do sistema fiscal e financeiro global.

Separadamente, o Washington Post publicou no sábado  passado uma longa e fascinante entrevista com Donald Trump, que fornece um olhar mais claro do seu pensamento sobre a política económica. É uma mistura da audácia Trumpiana, o analfabetismo económico e uma lógica peculiar. Alguns dos tópicos:

-Trump acredita que o dinheiro fácil criou uma bolha que deixa os EUA à beira de uma "recessão maciça."

-Refere que o "real" unemployment rate is not 5 percent, but in "the twenties," and that the U.S. pays the "highest taxes in the world" - sugerindo ou uma total ignorância, ou desprezo pelas estatísticas oficiais. O Vitor Gaspar pode dar uma ajuda nestas comparações Trumpianas.

-Promete um corte nos impostos, mas afirma que pode eliminar a dívida pública em 8 anos, o que traduz uma monumental falta de compreensão do que são as finanças públicas básicas ao alcance de qualquer um, como é o meu caso.

-Trump diz que vai fazer isso através da renegociação de acordos comerciais e de corte déficits comerciais - exibindo não só uma arrogância notável sobre suas competências de negociação, mas também confusão sobre a ligação entre os déficits comerciais e déficits orçamentais.

Pode-se ler a transcrição da entrevista aqui:

Enfim, como alguém dizia, as próximas eleições nos EUA constituem um teste de QI ao povo americano.