terça-feira, 26 de maio de 2015

A questão das pensões

O governo da república quer cortar nas pensões em pagamento 600 milhões de euros, não especificando a unidade de tempo. Deduzo ser um valor anual a reduzir ao actual montante de pensões a pagar.

Como tem sido prática corrente com este governo, não se explica como se chega aquele valor nem como vai ser aplicado. Sobre este último aspecto, a ministra das finanças diz que o corte não abrangerá as pensões mais baixas. E ficamos por aqui enquanto a informação sobre este tema, não existindo, mais uma vez, nenhum estudo ou projecto de reformulação do sistema.

O maior partido de oposição, no seu programa de governo, recentemente apresentado, pretende baixar as contribuições pagas pelos trabalhadores e pelas empresas para a segurança social. Para compensar esta diminuição de colecta para o sistema, aposta no crescimento económico gerador de emprego que leva mais pessoas a contribuir e menos a pagar de subsídio de desemprego. Avança também com mais fontes de receita pelo imposto sucessório a partir de um milhão de euros, bem como mais colecta para as empresas que tenham maior rotatividade de pessoal. Estas medidas também não constituem um projecto de reformulação sustentável do sistema, e a sua eficácia é muito duvidosa.

O modelo português de segurança social assenta num contracto entre gerações de que o estado é depositário. Há um conjunto de contribuições seja dos trabalhadores seja das entidades empregadoras através da Taxa Social Única (TSU), e algumas transferências do orçamento do estado que constituem a capacidade do estado pagar as pensões das pessoas que se vão reformando. Isto assenta num contracto que é estabelecido entre cada trabalhador e o estado, de acordo com a sua carreira contributiva, através da segurança social, contracto esse que determina o benefício a que pode aspirar.

Há dois valores essenciais no sistema de segurança social, que são a estabilidade e previsibilidade. Ora tudo o que tem sido feito no domínio das pensões nestes últimos anos contraria estes dois pilares do sistema.

Mexer nas pensões atribuídas é atentar contra estes dois princípios, já que são eles que sustentam a confiança das pessoas no sistema. Assim, dado ter havido uma quebra de confiança neste contracto, o Tribunal Constitucional chumbou cortes definitivos. 

Torna-se necessário chamar a atenção que a grande maioria dos pensionistas não têm capacidade de reconstituir as suas fontes de rendimento, e uma das razões essenciais para a existência de qualquer sistema de pensões é assegurar que quando saímos do mercado de trabalho isso não signifique uma perda dramática de rendimentos que nos pode conduzir a uma situação de pobreza. 

Mesmos nos sistemas privados, se eu contratar uma renda vitalícia com um fundo de pensões que possa gerir as minhas contribuições, aquela renda nunca será alterada por nenhum motivo. Estamos, a querer fazer aquilo que é uma responsabilidade pública uma coisa que nem os regimes privados fazem. 

Temos tendência a reduzir a questão da sustentabilidade à sua dimensão financeira, que é naturalmente essencial, e que não se questiona de forma nenhuma, mas os sistemas de pensões são sistemas de sustentabilidade da própria forma como nós nos organizamos colectivamente, na  estabilidade e coesão das sociedades.

Os sistema de pensões não são uma questão financeira com repercussões sociais, são sim uma questão social com repercussões financeiras, e ninguém questiona a necessidade de se pensar, de re-pensar e reflectir profundamente sobre soluções novas para o sistema de segurança social, que permitam acautelar quer as alterações demográficas quer as alterações na composição do emprego e da própria dimensão das massas salariais.

Há dias Bagão Félix chamava a atenção para a evolução dos salários desde 25 de Abril de 1974, e verifica-se uma descida constante dos salários e por consequência das contribuições para o sistema.

Hoje os jovens têm salários muito baixos e previsivelmente vão ter carreiras contributivas assentes em salários baixos. Isto significa não apenas que a sustentabilidade da segurança social está em causa, mas também uma diminuição das pensões a que podem aspirar. 

A sustentabilidade do sistema não se garante através dos cortes das pensões que estão atribuídas, garante-se com acções de outro tipo que assegurem receitas suficientes para o sistema para que possa cumprir com as suas obrigações.

Há coisas intocáveis e as pensões é uma delas. Em nenhum sítio no mundo civilizado, a não ser nestes últimos anos por força destas intervenções austeritárias nos vários países da CE, houve situações em que tenha havido redução de pensões, não obstante os automatismos presentes de alguns sistemas, como é o caso da Suécia, em que as pensões são automaticamente ajustadas para baixo e para cima de acordo com um conjunto de indicadores, em particular o crescimento da economia e do PIB. 

Em Espanha há muitos anos que as reformas têm um plafond, mas também as contribuições dos trabalhadores são cerca de metade do que em Portugal, o que lhes dá a possibilidade de constituírem planos de poupança reforma com mais facilidade do que no nosso país, já que ao pagarem menos contribuição lhe resta mais dinheiro disponível.

Criou-se a ideia das chamadas pensões milionárias, mas nós temos dois milhões de pensionistas de velhice no sistema de segurança social, para falar apenas da velhice, deixando de lado as pensões de invalidez e de sobrevivência que ainda são em número relativamente elevado, e deste número só trezentos mil têm pensões acima de quinhentos euros. Estamos portanto a falar de um universo em que a esmagadora maioria dos nossos pensionistas têm pensões baixas, fruto de carreiras contributivas nuns casos curtas, noutras de salários baixos.

Fico à espero de um de um verdadeiro estudo ou plano para a sustentabilidade da segurança social que contemple a riqueza gerada no país e a evolução demográfica.

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