quarta-feira, 6 de maio de 2015

Berthold Huber, o sindicalista que se tornou presidente da Volkswagen


O anúncio constitui uma novidade na economia alemã. A assembleia geral de accionistas do grupo Volkswagen, primeira empresa alemã, decidiu que a empresa será presidida por um sindicalista. 

Berthold Huber, antigo presidente do poderoso sindicato IG Metall com 2,3 milhões de quotizados, e membro influente do SPD, é presidente interino do conselho de supervisão do grupo desde de 25 de Abril deste ano, quando Ferdinand Piech, que ocupava o cargo há treze anos, se demitiu no decurso de uma guerra de chefias, sem precedentes na história do grupo de Wolfsburg.

Pode um sindicalista controlar a Volkswagen? Se a questão pode parecer iconoclasta, ninguém na Alemanha pensou que isto fosse possível: No país da co-gestão, os representantes do pessoal tem um papel importante nos conselhos de administração e não é raro que eles ocupem a vice-presidência. É o caso da Volkswagen, onde os representantes dos assalariados ocupam metade dos lugares de controlo. No seio do segundo constructor mundial de automóveis, nenhuma decisão é tomada sem o aval do presidente da comissão de trabalhadores

Sucede que na Alemanha certos sindicalistas gozam de um poder enorme. Berthold Huber é um destes casos. No apogeu do seu poder, em 2012, o antigo presidente do sindicato IG Metall era membro do conselho de supervisão da Porche, Siemens e Volkswagen, algumas das maiores empresas alemãs em termos de capitalização bolsista. Uma situação sem equivalente junto dos gestores alemães. Berthold Huber é hoje considerado como um dos homens mais influentes do capitalismo alemão.

Lidei com sindicatos em Portugal, Espanha e Itália. 

Em Itália, num contexto de turn-around de uma Fábrica perto de Piacenza. O membro do sindicato com quem reuni por várias vezes, não apresentou nenhuma reivindicação salarial, ou de condições dos trabalhadores. Limitou-se a apontar erros na gestão dos recursos humanos da Fábrica, em particular nos algoritmos para calcular os prémios de desempenho e penalização do absentismo, para além de aspectos relacionados com a segurança dos trabalhadores. Tudo isto num ambiente cordial. Após análise dos temas levantados, conclui que tinha razão, e as necessárias medidas correctivas foram implementadas. A ajuda do sindicalista foi importante para dar um novo rumo e melhorar a gestão dos recursos humanos da fábrica. 

Em Espanha tive duas situações muitos distintas. Numa fábrica discutiam-se os salários, o valor e quantidade de horas extraordinárias anuais, bem como os prémios relacionados com o desempenho. Enquanto em Itália o diálogo foi directamente com um membro do sindicato que representava os trabalhadores, nesta situação o debate fazia-se com os delegados sindicais, trabalhadores da Fábrica. Os delegados sindicais, para além do foco nos temas referidos, muitas vezes levados ao extremo com ameaças de greve, não deram nenhum contributo para a melhoria do seu local de trabalho.

Noutro caso, tratou-se de deslocalizar uma Fábrica da zona de Barcelona para uma cidade nos arredores de Madrid. A minha estratégia era a de levar o maior número de colaboradores (se possível todos) para a nova localização. Para o efeito foi preparado um plano social atractivo e comunicado aos trabalhadores. A partir daí as Comissões Obreras (CCOO) entraram em acção. Devo dizer que as negociações com o Sindicato decorreram num clima tenso mas construtivo. A delegada das CCOO no final do processo fazia um balanço positivo, já que a maioria do pessoal era transferido para o novo local. Isto significava para ela uma passagem para as CCOO do novo local da representação dos trabalhadores, o que não ia acontecer com o pessoal que não aceitou a transferência e ficou no desemprego. Estes últimos constituíam uma perda para o sindicato, já que a existência dos sindicatos pressupõe trabalhadores com trabalho. 

Em Portugal, tive também que lidar com Sindicatos, em várias situações do norte ao sul do país.  Tive que fechar uma fábrica com cerca de 200 trabalhadores. A decisão foi tomada um ano antes da comunicação aos trabalhadores, e a fábrica tinha que continuar a produzir durante dois anos após a comunicação. Erguer uma fábrica do zero, é uma coisa que está nos livros: acesso a matérias primas, mão-de-obra disponível, conflitualidade laboral, disponibilidade de água e electricidade, acessos a vias de comunicação, etc. Para se fechar, não há nenhum manual para seguir. Apesar de um bom plano social, com factores de amortização que passavam pela transferência de trabalhadores para outras áreas e fábricas da empresa, também aqui o representante dos trabalhadores foi fundamental para se ter conseguido um clima social, que permitiu fechar a fábrica sem grandes sobressaltos. 

Com uma fábrica na periferia de Lisboa, onde o salário médio em 2009, era superior a 1000€ tive que lidar com uma comissão de trabalhadores, em permanente conflito com a gestão o que levou a uma paralização de 3 dias de greve. As reivindicações centravam-se sempre no aumento do salários. Foi uma má experiência.

Ao contrário de muitos gestores portugueses que ficam crispados só de ouvir falar em comissões  de trabalhadores, sindicatos ou sindicalistas, tenho para mim que os representantes dos trabalhadores têm um papel na economia, não podendo ser, portanto, ignorados e é de capital importância que os jovens gestores que venham a assumir postos de responsabilidade integrem na sua área de actuação também esta realidade.

No pós Lehman Brothers, Hubert teve um papel crucial na forma como geriu o IG Metal, o que lhe permitiu consagrar o seu poder. Após o rebentamento da crise financeira, ele impediu uma grande vaga de greves na Alemanha, quando os trabalhadores compreenderam que as ondas de choque seriam terríveis para a economia e seriam eles os primeiros a sofrer. 

Em 2009 ele sugere ao governo ajudas ao sector automóvel, coluna vertebral da economia alemã. Com os patrões, negoceia o desemprego parcial, o congelamento dos salários em troca da manutenção dos postos de trabalho. Isto permitiria à Alemanha sair triunfante a partir de 2010 da crise económica.  

O pragmatismo caracteriza a acção de Hubert, o que lhe vale muitas críticas no seio da ala esquerda do sindicato, mas que permitiu ao IG Metal sair de vários anos de decadência política e organizacional. Onde o seu predecessor, Jurgen Peters via na IG Metall um contra-poder radical de esquerda que devia intervir em todos os debates sociais do País, Berthold Huber recentra a estratégia para o seu verdadeiro papel: o poder das comissões de trabalhadores nas empresas. Ele consegue em 2011 travar a queda vertiginosa de adesões ao sindicato e desempenha o seu papel central nas remunerações de 3,7 milhões de trabalhadores.

O seu inesperado mandato de presidente do conselho de supervisão da VW será possivelmente o mais delicado da sua carreia, já que Ferdinand Piech, o patriarca demissionário, não renunciará a influenciar o curso da empresa onde devem 14% do capital.

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