terça-feira, 10 de março de 2015

The Times They Are A-changin' for Norway


Visitei a Noruega por várias vezes. A primeira, foi de forma inesperada. Aconteceu no anos 80, quando ia visitar uma fábrica em Gotemburgo na Suécia. Tinha um bilhete Porto-Londres-Estocolmo-Gotemburg. O voo BA da tarde para Londres atrasou-se, e perdi a ligação para Estocolmo. Entre as várias opções que a BA me colocou, escolhi um voo Londres-Stavanger-Oslo-Gotemburgo. A primeira etapa seria ainda no mesmo dia, e o resto no dia seguinte. 

Nunca tinha ouvido falar de Stavanger nem fazia ideia onde se situava na Noruega. O aeroporto estava repleto de cartazes publicitários a válvulas enormes, bombas descomunais, fotografias de plataformas de extracção de petróleo, e publicidade aos suspeitos do costume, quando se fala em petróleo: BP, Shell, etc. 

Consegui um quarto num hotel de quatro estrelas com um preço equivalente ao Ritz de Lisboa. Fui ao bar beber uma cerveja, e reparei que estava cheio de uma frequência constituída 100% por homens. Perguntei ao empregado que me serviu, qual era a principal actividade da cidade, e ele respondeu espantado, como seu eu tivesse chegado de outro planeta; Petróleo!


No final dos anos setenta li "L'énergie et désarroi post-industrial" que previa o fim do petróleo para 2020-2030, e a consequente subida constante dos preços. Não vai acontecer. O autor não conseguiu prever o aparecimento de novas tecnologias que permitem extrair petróleo a grande profundidade. 

Quando em 2014 o EUA atingiu a auto-suficiência em petróleo, e a economia mundial não continuou a acelerar como nos anos anteriores, os preços baixaram, com consequências negativas para os tradicionais países produtores, e a Noruega não escapou. 

É o fim da idade de ouro. Décimo-quarto produtor mundial de petróleo, a Noruega é, também afectada pela queda do preço do petróleo, que se observa desde o verão de 2014. Neste ano as receitas publicas ligadas ao sector petrolífero caíram 34,6 biliões de euros (297 biliões de coroas norueguesas), contra 40,5 biliões de euros em 2013, de acordo com os números oficiais publicados no dia 26 de Fevereiro.

Trata-se de um grande desafio para este país de 5 milhões de habitantes que, graças à exploração dos hidrocarbonetos da mar do Norte, se tornou um dos mais ricos do mundo, em menos de 40 anos.

Antes do petróleo:


Depois com o Petróleo:


À primeira vista, o país dos fiordes, não tem razão para grandes preocupações. Irmão pobre da Suécia até 1969, data da descoberta das primeiras jazidas de petróleo, o país viveu depois um incrível boom. O PIB per capita , que era em 1971 próximo da Grécia, é hoje em dia 50% superior ao da Suécia. Em 2014 o PIB norueguês cresceu 1,8%, o dobro da zona euro, e deverá crescer para 1,9% este ano. Por fim, a taxa de desemprego na Noruega é de 3,7%, o que na prática significa pleno emprego.

Mas a brutal queda dos preços do petróleo e o declínio das suas reservas, obrigam o país a acelerar a diversificação da sua economia, já que 20% do seu PIB depende dos hidrocarbonetos. Statoil a empresa gigante do petróleo, controlada em 70% pelo estado, prevê reduzir os seus investimentos em 10% este ano. Os despedimentos neste sector, multiplicam-se: Segundo diferentes estimativas, 30 000 a 40 000 empregos poderão ser destruídos nos próximos meses.

É preciso dizer que o boom do petróleo, foi acompanhado por um forte crescimento dos salários na indústria petrolífera; apesar da desvalorização da coroa nos últimos meses, os salários são 50% mais elevados que na Grã-Bretanha ou nos Estados Unidos, ao ponto de ameaçar a competitividade do sector petrolífero. O país sofre igualmente duma produtividade decrescente, de uma fraca participação ao mercado de trabalho, e uma taxa de abandono escolar relativamente elevada. Tudo isto faz com que alguns economistas falem num reino que se encostou à sombra de uma bananeira.

Nos últimos 20 anos, a dívida das famílias voou: A dívidas dos casais de 30 anos atinge, em média,  os 300% dos seus rendimentos disponíveis. Muitos endividaram-se para comprar uma residência principal e secundária, convencidos que os salários continuariam com a sua trajectória ascendente.



Se de momento alguns economistas acham que este nível de endividamento é sustentável, a situação financeira de muitos noruegueses é frágil.

O preço médio de uma habitação quase duplicou nos últimos dez anos, em particular nas cidades localizadas perto da indústria do petróleo. O risco de inadimplência é elevado nas hipotecas sobre imóveis, e a verificar-se, induzirá grandes perdas para os bancos.

A Noruega tem uma sólida rede de segurança social, que dá garantias ao cidadão na eventualidade de ele ficar sem salário.  Mas, no caso de uma grave crise social, que leve ao aumento do desemprego, os elevados níveis de endividamento podem tornar-se um sonho mau para as famílias afectadas. Se os preços das casas cairem ao mesmo tempo, o sonho mau transformar-se-á num pesadelo.

Se o preço das casas cairem 30%, um em cada quatro domicílios ficará com uma dívida superior ao valor da sua habitação. Facto que não será original, basta ver o que se passou aqui ao lado, na vizinha Espanha. Mas é um país do sul...

Se em consequência, as famílias reduzirem o seu consumo, a fim de reduzirem a dívida, a economia será negativamente afectada, com as consequências que nós conhecemos...

Apesar da inquietude dos especialistas, o governo (coligação de vários partidos de direita) garante que tem o assunto na mão. "...a nossa estratégia é de favorecer investimentos nos sectores não-petrolíferos, através de uma fiscalidade atractiva..." que acrescenta "Aumentaremos também os investimentos em infraestruturas, em R&D, no sistema educativo, tudo isto de favorecer o fomento de novas actividades e empregos.

Em paralelo, o governo lançou reformas em todos os azimutes do Estado e nos serviços públicos: Saúde, Autarquias, Polícia..., com o objectivo de melhorar as eficiências do custo.

Isto chegará para assegurar o futuro do reino? Se ainda é cedo para dizer, uma coisa é certa: Em caso de um golpe duro, a Noruega conta sempre com o seu fundo soberano, criado  em 1990 para canalizar e investir no estrangeiro o maná das receitas petrolíferas. Este fundo vale actualmente 750 biliões de euros, o que o torna o maior fundo soberano do mundo.

Fontes: OCDE e Financial Times

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