quarta-feira, 4 de março de 2015

"Um fardo para os Portugueses"



Qualquer pessoa pode não ter as suas contribuições em dia, mas o Primeiro Ministro de Portugal, não é uma pessoa qualquer. Pelo cargo que ocupa deve dar o exemplo.

Sucede que para pagar os impostos ninguém precisa de ser notificado. Todo o cidadão sabe que tem um conjunto de direitos e obrigações, e pagar os impostos é uma das obrigações do cidadão. 

O actual Primeiro Ministro foi trabalhador independente, entre 1999 e 2004, e por essa razão, como fez questão de lembrar o Bloco de Esquerda, tinha de apresentar o modelo B da declaração de IRS e preencher o anexo H, onde se lia “contribuições obrigatórias para a Segurança Social”. 

Não se trata de um esquecimento. Pedro Passos Coelho em 1999 nunca pensou que viria a desempenhar o cargo actual. 

Por isso fez aquilo que muita gente fazia na altura, de acordo com um padrão comportamental das empresas e dos trabalhadores, que consistia, no caso trabalhadores por conta de outrem, em não declarar parte do salário e em que os trabalhadores independentes se “esqueciam” de pagar as contribuições para a Segurança Social.

Perante a notícia do “Público", o Primeiro Ministro inverteu os papeis, afirmando que a culpa era da Segurança Social que nunca o notificou, quando ele sabe que tinha que pagar as respectivas contribuições, conforme a declaração do IRS, que seguramente preencheu na altura.

Como é obvio, ninguém acredita que um trabalhador independente, durante cinco anos desconhecesse que tinha que fazer pagamentos à Segurança Social, e portanto o que esteve aqui em causa, foi de facto, uma prática reiterada e continuada de fuga ao pagamento das contribuições. Esta prática cessa no exacto momento em que se sabe que foi implementado um sistema de cruzamento de dados da Segurança Social com o Fisco. Fica-se então à espera que passe o prazo da prescrição para se safar do pagamento dessa dívida.

Quando um órgão da comunicação social suscita a questão, vai a correr fazer o pagamento, dando depois as explicações que nós todos ouvimos, e que evidentemente são as explicações de quem sabe que foi apanhado em falso.

Aqui não há nenhuma dúvida que um trabalhador independente tem que pagar contribuições à Segurança Social. Não é daquelas questões pouco líquidas, em que porventura há um entendimento da Segurança Social que é discutível ou há uma liquidação errónea que o contribuinte, seja um particular ou uma empresa, tem direito a contestar. 

É claro como água, e toda a gente sabe neste país, mais ainda, durante 60 meses, 5 anos consecutivos, que todo o trabalhador independente tem pagar contribuições à Segurança Social.

Recordo o artigo sexto do código civil, que diz muito claramente que a ignorância da lei não aproveita o cidadão nem isenta o autor do acto das respectivas responsabilidades.

Dito isto, não entendo a inacção da Segurança Social relativamente a este tipo de dívidas comparado com a celeridade com que a Segurança Social instaura execuções, aplica coimas e persegue implacavelmente pequenos contribuintes que falharam o pagamento de uma contribuição. 

É muito curioso que a Segurança Social tenha referido que foi efectuado voluntariamente um pagamento de uma dívida que estaria já prescrita, por ter decorrido o respectivo prazo de prescrição que passou dos 10 para os 5 anos. Mas com o argumento que agora é evocado de que na Segurança Social as dívidas nunca prescrevem, a não ser quando o contribuinte evoca a prescrição, e portanto enquanto o contribuinte não evocar expressamente a prescrição, a Segurança Social pode ir insistindo com o pagamento. O que não pode é instaurar procedimentos coercivos para a cobrança dessas contribuições.

Mas se assim é, resta explicar também porque é que foi liquidada uma quantia em 2015 em que os juros de mora correspondentes ao período entre 2012 e 2015 não foram contabilizados, e porque é que a Segurança Social se esqueceu, já agora, de aceitar o pagamento e também de reclamar o pagamento relativamente ao período anterior, em 2002, visto que há dívidas de 1999 a 2002.

Não sendo esta a questão mais importante, serve para salientar também que a Segurança Social, teve aqui uma responsabilidade a que não pode fugir.

“Bem prega frei Tomás, faz o que ele diz e não o que ele faz". Este é um ditado que nos diz muito sobre a moral, especialmente a moral que se prega para os outros mas que não se adopta para nós próprios. Vem isto a propósito do Público de hoje onde se cita uma intervenção de Pedro Passos Coelho no Congresso do PSD de 2014: “Há muitos que deviam pagar os seus impostos e não pagam. Porquê? Porque não declaram as suas actividades. Ora nós temos obrigação de corrigir estas injustiças. Não é o previlégio, mesmo o pequeno previlégio. Se há quem se ponha de fora das suas obrigações para com a sociedade, sendo muito ou pouco, esse alguém está a ser um ónus importante para os outros que têm um fardo maior”

1 comentário:

  1. O episódio em si é repugnante. Mas resvala na indiferença do mortal, já tão massacrado com rotineira e banal notícia, não sei quanto tempo mais vou ter de esperar até ver trupe determinada a dar salto da cadeira munida de cacete para os correr. O que eu mais temo é que se demorar muito corro o risco de acreditar na mentira repetida muitas vezes, "é normal","ninguém é perfeito", "nada a fazer", então aí o maior perigo para mim é passar a ser como eles porque a nova verdade me venceu. Que Deus nos guie...

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